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Crítica
Ao cinéfilo mais antenado, talvez a referência imediata diante do nome Vizinhos seja a comédia homônima estrelada por Zac Efron e Seth Rogen, Vizinhos (2014). Os mais saudosistas, no entanto, poderão apontar para sucessos cult, como Meus Vizinhos são um Terror (1989), com Tom Hanks, ou Meu Vizinho Mafioso (200), com Bruce Willis, entre outros. Todos esses guardavam surpresas e revelações a partir do envolvimento entre recém-chegados ao bairro (sejam os protagonistas ou os moradores da casa ao lado) e os desdobramentos que se davam a partir do relacionamento entre eles. Nada disso, porém, se verifica no besteirol dirigido por Roberto Santucci. Mais uma vez trabalhando a partir de um roteiro de Paulo Cursino (é o décimo quinto esforço em conjunto de ambos), o que se vê em cena é o esgotamento total de uma fórmula há muito esvaziada. As tentativas de emular um humor minimamente abrangente são rasteiras e apelativas, quando não grosseiras ou preconceituosas, transitando entre o misógino e o racista. Ao contrário de muitos dos longas anteriores da dupla, no entanto, esse se manteve distante dos cinemas, tendo sido lançado diretamente em streaming. A falta de originalidade, como se vê, vai além do título.
Aliás, o que se vê é mais um reencontro de amigos e menos uma manifestação artística de qualquer força. Afinal, trata-se do sétimo filme estrelado por Leandro Hassum e o terceiro por Maurício Manfrini a contar com a duvidosa assinatura de Santucci & Cursino. Estão todos em casa, como se percebe. Julia Rabello (O Candidato Honesto, 2014) e Marlei Cevada (No Gogó do Paulinho, 2020) completam a turma, deixando claro a falta de disposição em agregar novos rostos ao conjunto. Enquanto isso, qualquer sinal de novidade fica restrito ao casal inter-racial formado pelos jovens Lucas Leto e Julia Foti (ambos com pouco o que fazer além reforçar estereótipos), enquanto que talentos comprovados, como Helio de la Peña e Nando Cunha, se veem restritos a participações ligeiras, com pouca (ou nenhuma) ressonância junto ao todo. A impressão é que foram chamados apenas para evitar uma eventual acusação de falta de diversidade no elenco. Faltou, no entanto, entregar aos dois personagens com relevo e profundidade, que servissem ao desenrolar da trama, e não apenas para reforçar velhos clichês ou surgir em meio a construções desnecessárias.
Logo no começo da trama, Walter (Hassum, descontrolado em caras e bocas) vê três freiras entrando na loja de instrumentos musicais onde trabalha. Ao se colocar à disposição das possíveis clientes, oferece pianos e harpas, crente delas estarem atrás de sons “celestiais”. Diante das opções, o trio se surpreende, e num estalar de dedos – como num passe de mágica – deixam os hábitos de convento de lado para se revelarem góticas agressivas em busca de algo bem mais pesado. Nesse momento, a narrativa vira a chave e abandona qualquer tipo de realismo, evidenciando o exagero e a fantasia a qualquer custo, mesmo que ambos se mostrem equivocados ou desconexos dos eventos ilustrados. Tanto é que, após uma crise de nervos – devido ao som alto que enfrenta diariamente no trabalho – ao protagonista é recomendada uma mudança radical de vida. E o que para muitos seria impensável – ou, ao menos, fruto de um extenso planejamento – para ele e Joana, sua esposa (Rabello, a mais esforçada em manter os pés no chão de todo o elenco), se dá em instantes, com o casal deixando a cidade grande para se refugiar em um pacato condomínio residencial no interior.
A questão, portanto, é apenas uma: barulho. Walter, aliás, possui uma grave condição médica e diagnosticada, recomendando cuidados específicos. Portanto, quando os vizinhos mais próximos chegam com escolas de samba, ensaios de bateria, aulas de tumba para as crianças, festas na piscina e um sem-número de animais em cativeiro, seria de se esperar o lógico, não é mesmo? E esse, obviamente, deveria se dar através de uma explicação referente ao seu estado delicado e um pedido de silêncio – ou, ao menos, de uma diminuição de tom. Mas, se assim fosse, o roteiro precisaria ser melhor trabalhado, o que exigiria dedicação e esforço por parte de quem o escreveu. E qual a razão de se percorrer caminhos longos e elaborados, quando se é possível ir por atalhos e buscar resultados imediatos? Assim, Walter e Joana partem de imediato para uma guerra contra Toninho (Manfrini, adotando uma voz infantil que beira o insuportável) e Kelly (Cevada, a mais solta em seus excessos, indo dos berros às caretas desproporcionais, encontrando ressalva nos figurinos propositalmente escandalosos). O que poderia ser resolvido em uma conversa de cinco minutos irá se estender por quase duas horas de um filme que em nenhum momento consegue se manter nem mesmo em sua premissa mais básica.
A lista de tropeços é extensa, tão enfadonha quanto o filme em si. É de se apontar, no entanto, a falta de cuidado dos próprios realizadores com o histórico dos envolvidos. Manfrini, por exemplo, em certo momento resolve fazer graça com sua participação no humorístico A Praça é Nossa (ele entrou para o elenco regular em 2014), mas o comentário é tão gratuito e desprovido de sentido que mais afasta do que desperta curiosidade. Mesmo sentimento, aliás, que se percebe na provocação que Hassum faz com Rabello ao reproduzir diálogos do esquete Sobre a Mesa, do Porta dos Fundos, um clássico da internet nacional que é desperdiçado em uma referência que a maior parte do público – crianças e adolescentes – nem entenderão. Enfim, sem graça e sem sentido, Vizinhos se confirma desde os primeiros instantes como uma aposta desprovida de atrativos capazes de sustentar uma audiência interessada ou mesmo surpresas que possam ir contra a qualquer expectativa negativa. Pelo contrário, é diante dos piores augúrios que o barco naufraga, colocando em evidência os tristes rumos pelos quais a comédia nacional tem percorrido nos dias de hoje.
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