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Sinopse

Tímida, porém muito inteligente, Ellie está apaixonada por uma colega. Todavia, ela descobre que seu amigo Paul, um atleta gentil, mas com dificuldades para se expressar, está caidinho pela mesma garota.

Crítica

“Essa não é uma história de amor. Pelo menos, não uma onde as pessoas conseguem o que querem”. Somos avisados, desde o início, pela protagonista Ellie Chu (Leah Lewis): embora o filme tenha aparência de comédia romântica e estrutura de comédia romântica, ele faz o possível para se distanciar da obrigação do final feliz e da mecânica do amor vencendo obstáculos. O primeiro meio escolhido pela diretora Alice Wu para criar tal distanciamento se encontra na filosofia. Ellie é uma aluna especialista em filosofia, e são as frases de Platão, Oscar Wilde e outros pensadores que ditam o ritmo da narrativa. Deste modo, Você Nem Imagina (2020) prefere falar de amor a mostrar o amor em imagens. Espere uma quantidade limitada de beijos, abraços ou outras demonstrações de afeto. Não por acaso, o clímax evita os gestos apaixonados para privilegiar uma intensa troca verbal, quando os personagens principais confessam aos berros suas interpretações do amor. Estes adolescentes não perdem tempo em dúvidas sobre sexo, sobre beijo, sobre casamento, nem sobre o futuro. Eles se encontram num momento anterior a estes planos: como saber quando a outra pessoa quer ser beijada? Como saber se estou apaixonado de verdade? “Como saber quando alguém é gay?”, digita um garoto no Google.

Este aspecto mais “existencialista”, digamos, dita o teor agridoce da produção. Troque os habituais cenários paradisíacos, os pores do sol e as trilhas sonoras otimistas por dias nublados, estradas pouco atraentes, casas modestas e canções melancólicas sobre o sentimento amoroso. Apesar de a filosofia acrescentar um nível de discussão interessante ao roteiro – Ellie questiona a ideia platônica de que somos todos meias-pessoas buscando nossa outra metade pelo mundo -, ela também se comunica bastante com a autoajuda e os discursos daqueles que se autointitulam coach. Tanto a protagonista quanto a professora (Becky Ann Baker) tentam explicar conceitos complexos a pessoas que não querem escutar, desistindo eventualmente do processo de ensino. Por isso, o rigor necessário à filosofia é substituído por frases de efeito que impressionam os amigos Paul Munsky (Daniel Diemer) e o interesse amoroso Aster Flores (Alexxis Lemire), mas impedem que se desenvolva uma conversa a respeito. Os personagens escutam as tiradas existencialistas, admiram a impressão de profundidade das palavras e param por aí. A filosofia adquire um valor retórico, sendo interpretada da mesma maneira que o trio central escuta a poesia, ou se manifesta em relação às várias artes em cena - desenho, pintura, música, literatura, cinema.

Pela citação a grandes nomes e pelo contato com as artes clássicas, o filme carrega certa aura de refinamento pouco condizente com a direção em si. Os personagens podem até se interessar por textos complexos, mas a diretora faz o possível para evitar que estes conceitos se estendam em tela – o que vale para a discussão sobre o ateísmo, sobre o papel da homossexualidade e sobre a multietnicidade desse triângulo composto por uma chinesa, um americano e uma garota de origem latina. Nenhum destes elementos constitui um conflito capaz de aprofundar a dramaticidade da trama. Wu acena ao bullying sofrido por Ellie, insinua uma habilidade modesta de Paul para o esporte e o descontentamento de Aster com o atual namorado. No entanto, os personagens não aparentam sofrer com isso: na cena seguinte, agem como se nada tivesse acontecido. Você Nem Imagina constitui um filme levíssimo: o jogo de identidades trocadas, sexualidades escondidas e amores ocultos não surte qualquer efeito duradouro quando as verdades são reveladas. A estrutura tradicional da farsa (um personagem se passa por outro) jamais pareceu tão blasé: esta seria uma versão do Cyrano de Bergerac atualizada à adolescência em tempos de WhatsApp, de famílias desfeitas e de sentimentos líquidos. Ninguém ama para sempre nesta história: um beijo será esquecido no dia seguinte.

O projeto caminha na indecisão entre o clássico e o contemporâneo: por um lado, as imagens estão repletas de mensagens de celular e discussões sobre emojis, por outro lado, o pobre garoto apaixonado solicita a ajuda de Ellie para escrever cartas românticas como antigamente. Por um lado, temos um triângulo amoroso envolvendo uma garota lésbica num cenário culturalmente plural. Por outro lado, as cenas românticas correspondem aos lugares comuns mais desgastados do gênero: a garota deixa cair os livros no corredor da escola apenas para a menina de seus sonhos se abaixar e ajudar a recolher os papéis; a protagonista se envergonha na frente de toda a escola durante uma apresentação musical; a garota “feia” consiste na figura tímida que usa óculos e cabelos presos. Sabemos que bastaria retirar óculos e soltar os cabelos para ela se tornar lindíssima – truque fartamente utilizado nos romances teen dos anos 1990 -, mas a direção de arte ainda aposta na visão de que garotas nerds usam óculos, garotos populares têm jaquetas com logos esportivos e a garota latina usa saias rodadas mostrando as belas pernas. O roteiro tenta subverter alguns estereótipos, mas a direção reforça os preconceitos que busca combater.

A direção prejudica o resultado devido a uma série de cenas mal filmadas, como se realizadas às pressas ou editadas sem grande cuidado. A bronca da professora de filosofia em Ellie acontece de modo brusco demais (faltavam imagens aos editores?); a iniciativa de Aster para passar uma tarde com Ellie soa improvável, além de apostar num erotismo absurdo naquele contexto; a mudança de popularidade da protagonista, entre sofrer bullying e ser aclamada por todos, ocorre com uma velocidade espantosa. Além disso, a importante cena da igreja apresenta lamentável dificuldade da mise en scène em alternar entre quatro pessoas em lugares diferentes. Wu acredita que a busca pela comédia justifica a construção de um garoto estúpido demais, no caso de Paul, ou uma menina passiva demais em relação ao seu destino, no caso de Aster. Se quisesse de fato exagerar na estupidez de seu personagem masculino, que ele fosse como o Kenny de Família do Bagulho (2013). Se a ideia era trabalhar de modo delicado o lesbianismo de Ellie, que trouxesse a naturalidade e o despojamento de Eve e Fabiola em Eu Nunca... (2020). Aqui, o humor não funciona a contento, enquanto a sexualidade e o amor se resumem a uma idealização etérea. Ao menos, a amizade entre Ellie e Paul se estreita no final, e a diretora demonstra a coragem de mostrar um beijo simples, porém importante dentro do discurso progressista. Em termos de direção e produção, o resultado fica aquém dos melhores filmes do gênero – ou mesmo das experiências modestas como Para Todos os Garotos que Já Amei (2018) e Com Amor, Simon (2018). No entanto, como diriam os norte-americanos, “o coração está no lugar certo”. Há boas intenções de sobra para uma sequência que não deve tardar a aparecer.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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