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Sinopse

Depois de quase 20 anos de ausência, desde que abandonou sua namorada de ocasião grávida, Willy retorna disposto a conhecer o filho. Se depara com Willy, um jovem autista que pede cuidados especiais. Por força de circunstância diversas, pai e filho viram companheiros de estrada, nesse deslocamento se (re)conhecendo.

Crítica

Baseado no best-seller Se Eu Te Abraçar, Não Tenha Medo, de Fulvio Ervas, por sua vez inspirado na história real de Andrea e Franco Antonello, Volare é uma road trip que começa na Itália, passando por Eslovênia e Croácia. Uma típica jornada de autoconhecimento compartilhada por pai e filho. Originalmente (realidade e livro), a viagem insólita dos aventureiros aconteceu entre os Estados Unidos e a América do Sul (inclusive passando pelo Brasil). Uma das questões centrais do livro é o sucesso afetivo do percurso transformador/lírico, amplamente desaconselhado, principalmente pelos terapeutas do rapaz de 18 anos diagnosticado com autismo desde os três de idade. Na versão cinematográfica, não há essa discussão prévia, pois a peregrinação se dá por uma espécie de bem-vinda ironia do destino. Depois de ter abandonado a namorada de ocasião que se revelou grávida, Willy (Claudio Santamaria) reaparece bêbado quase 20 anos depois para reivindicar o direito de conhecer seu menino. Antes disso, o público é apresentado a Vincent (Giulio Pranno), o garoto que requer cuidados especiais da mãe, Elisa (Valeria Golino), e do seu amoroso padrasto, Mario (Diego Abatantuono).


O esqueleto de Volare é bastante conhecido, o que descamba em previsibilidade. Um sujeito irresponsável na juventude (no caso, Willy) volta aparentemente arrependido, encontra um desafio além de suas capacidades e amadurece/evolui ao completar um caminho repleto de contratempos e obstáculos. E a estrutura é seguida basicamente à risca pelo cineasta Gabriele Salvatores. O gosto por figuras e situações arquetípicas também é perceptível no contorno das situações, dos personagens, bem como dos comportamentos de acordo com preconcepções atreladas aos seus desejos/ocupações. Recorrendo a um estereótipo surrado, o artista Willy é visto como egoísta, farrista e irresponsável. Desse modo, pode ser compreendido diretamente como contraponto insuspeitamente benéfico (livre, menos cartesiano) à responsabilidade simbolizada por Mário, editor cuja insatisfação diante dos manuscritos recebidos é utilizada apenas como rubrica sem importância à sua identificação. Sua função dentro dessa ciranda é ser quem cumpriu magistralmente um papel ao qual seu “rival” fugiu, aquele a quem o clímax reserva um destino de certo modo amargo por ser essencialmente bom.

Grande parte de Volare é um típico filme de estrada, vide Willy e Vincent se (re)conhecendo ao longo do trajeto com vários empecilhos, tais como a falta de documentos do menino, as dificuldades de trânsito entre os países e a coragem necessária para seguir adiante a despeito de tudo. Gabriele Salvatores vai deixando de lado a relevância dos aspectos práticos dessa caminhada conjunta. Ele evita sublinhar demasiadamente os contratempos, quando muito apontando rapidamente a um comportamento desviante do autista, algo prontamente contornado pelo homem inicialmente lido como incapaz de cuidar. Discussões a respeito da representatividade à parte – uma vez que Giulio Pranno não está dentro do espectro de seu personagem –, o adolescente se afeiçoando rapidamente ao estranho pode ser algo entendido como uma das várias liberdades que a trama toma em relação à realidade diversa dos autistas. Aliás, antes que o enredo comece, há uma tentativa de se proteger previamente das críticas detidas nesse aspecto frouxo por meio de um letreiro que anuncia o filme como “vagamente inspirado numa história real, uma ficção e sem pretensões científicas”.

Essa tentativa frágil de descolar-se da realidade faria sentido caso o filme abraçasse formalmente o distanciamento (apresentando-se como fábula, talvez), o que não acontece. Essas “liberdades em prol da ficção” se avolumam consideravelmente, sendo outro exemplo evidente delas a disposição do menino em perder a virgindade, tendo em vista que um pouco antes respondera de modo compreensivelmente arisco à investida sexual da desconhecida. Aliás, outro clichê do qual o cineasta lança mão inadvertidamente é o da artista de circo “cabeça aberta” e prontamente disponível ao sexo, sem sinais de flerte prévio. O veterano Gabriele Salvatores apela a mais um lugar-comum desse tipo de narrativa quando apresenta simultaneamente a viagem de pai/filho e as buscas da mãe/padrasto. Enquanto Willy se torna uma pessoa melhor em contato com o menino que dele necessita, a ex e o marido dela perambulam sem muitas atribuições, senão permitir em paradas estratégicas que o passado seja esclarecido por obra da curiosidade conveniente de algum estranho. A mensagem de aprendizado diante das fragilidades do outro é bonita, mas o acúmulo de chavões a atrapalha.

Filme assistido online durante a 8 ½ Festa do Cinema Italiano, em junho de 2021.

 

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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