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Sinopse

Uma jovem professora tenta solucionar o estranho caso de um garoto mudo. Mas se torna a principal suspeita.

Crítica

Em diversos aspectos, Volume Morto se assemelha a Eu Nunca (2015), trabalho anterior do diretor Kauê Telloli: na ambientação reduzida – um sítio antes, uma escola agora – no número também enxuto de personagens, ambos focados em um trio protagonista, e no diálogo entre o cinema de gênero (suspense) e o drama. Contudo, mesmo com tantos pontos em comum, o novo longa de Telloli apresenta ao menos duas grandes mudanças em relação à sua estreia. A primeira é de ordem estética, com o registro digital e a emulação de filmagens amadoras dando lugar a um visual rebuscado, com planos elaborados e câmeras lentas austeras. A segunda é uma mudança narrativa, já que aqui a inclinação ao suspense se manifesta ainda nas primeiras cenas, com a atmosfera de estranheza e de mistério sendo instaurada pela trilha sonora antes mesmo do encontro entre a professora de inglês, Thamara (Fernanda Vasconcellos), e Luiza (Júlia Rabello), mãe do jovem Gustavo, aluno que desperta preocupação em sua mestra.

O fato de o garoto nunca falar durante as aulas, levando-o, justamente, a ser apelidado de “Volume Morto” pelos colegas, é o principal motivo para tal preocupação. Além disso, outros fatores como a dificuldade de escrita e o conteúdo por vezes perturbador de seus desenhos, fazem com que Thamara desconfie que algo em casa e na relação com os pais possa estar afetando o jovem. Durante todo o primeiro ato, Telloli vai jogando pistas e sugerindo diversas possibilidades, incluindo até um flerte – sutil, é verdade – com o terror sobrenatural, graças à presença recorrente de uma criatura chamada Nurikabe nos desenhos de Gustavo. Quem ou o que seria esse ser? A representação de um familiar? De um vizinho? Qual o motivo da mudez do garoto? Ou ainda, por que ele usa camisetas de manga longa com tanta frequência, encobrindo hematomas em seus braços? Todas essas dúvidas são acompanhadas por outras relacionadas à personalidade e ao comportamento da professora, a começar pela realização da reunião sem o conhecimento da diretora da escola.

O clima de incerteza domina o ambiente enquanto as personagens aguardam Roberto (Daniel Infantini), o pai de Gustavo. Uma chegada que só aumenta a tensão, pois, apesar da aparência amistosa e até frágil à primeira vista, o homem acaba revelando uma postura manipuladora, opressora, chegando ser ameaçador em diversos momentos. Seguindo com seu jogo de meias verdade, informações nebulosas e atitudes contraditórias de todo o trio central, Telloli consegue instaurar uma atmosfera de fato instigante e carregada, favorecida pela ambientação claustrofóbica – elemento que consegue trabalhar de modo mais efetivo do que em Eu Nunca, explorando cada canto e objeto cênico da sala de aula. Tal sensação de gravidade se deve em grande parte à sugestão da temática do abuso infantil, bem como a inserção de outras elementos que retratam a sociedade atual, como os julgamentos apressados que levam a reações extremas, ao radicalismo.

Esses últimos tópicos surgem bem sintetizados nas trocas de mensagens de Luiza no grupo de WhatsApp das mães da escola – que em certo nível remete a outro longa nacional recente, Aos Teus Olhos (2017). Tendo uma boa construção e apoiado pela competência do elenco, especialmente de Fernanda Vasconcellos, externando a dubiedade e perturbação de Thamara, Telloli parece ter o controle de sua proposta até o momento em que entra em um confronto mais acirrado com sua principal adversária: a expectativa. Algo que já afetara o resultado de Eu Nunca, mas em menor escala, pois a virada para o suspense se dava apenas em seu ato final. Aqui, contudo, essa necessidade é mais aguda, já que o acúmulo de dúvidas se dá desde os primeiros minutos, levando a uma espera inevitável pela entrega de uma resolução convincente para a trama. Uma sensação que só se intensifica à medida em que a irracionalidade parece dominar os personagens, tornando seus atos cada vez mais imprevisíveis.

Volume Morto, contudo, nunca se entrega por completo a esse aceno ao absurdo ou à possibilidade do fantástico, que poderiam servir como justificativa para todas as pontas soltas e incongruências, mantendo-se preso à realidade – dada a seriedade dos assuntos sugeridos – e, por este motivo, tornando seu desfecho mais frustrante. Ainda que o interesse de Telloli pudesse estar mais nas observações ou críticas incutidas nos conflitos do que na explicação de seu quebra-cabeças, essa abordagem se mostra falha em sua construção dramática, seja pela literalidade ou ingenuidade – como a necessidade de mostrar a reação explícita de Thamara a cada afirmação duvidosa de Roberto. Assim, exibindo basicamente os mesmos predicados e fragilidades de seu primeiro trabalho, Telloli realiza uma entrega que ao invés de complexa e surpreendente soa confusa e pouco plausível, deixando mais uma vez a sensação de potencial desperdiçado.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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