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Crítica


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Sinopse

Mortes acontecem num aeroporto. Há um assassino em série à solta. A única pista é um bimotor preto.

Crítica

Baseado no conto O Piloto da Noite, da antologia Pesadelos e Paisagens Noturnas – Volume 1, este Voo Noturno apresenta uma nova incursão de Stephen King pelo universo do horror vampiresco. A trama acompanha o jornalista Richard Dees (Miguel Ferrer) – veterano do tabloide sensacionalista Inside View, especializado em crimes e eventos bizarros, geralmente ligados ao sobrenatural – que é designado por seu editor-chefe, Merton Morrison (Dan Monahan), a investigar uma série de misteriosos assassinatos ocorridos em pequenos aeroportos, cometidos pelo piloto de um avião bimotor, nos quais as vítimas são encontradas com marcas no pescoço e têm o sangue de seus corpos drenado. A princípio, Dees recusa o caso, que é repassado à novata Katherine Blair (Julie Entwisle), porém, quando uma nova morte acontece, ele reassume o comando, disputando as manchetes com a colega.

Indicado pelo próprio King, impressionado com seu trabalho no curta-metragem sobre zumbis Drag (1993), o cineasta Mark Pavia fez sua estreia em longas – só retornando à direção quase duas décadas após essa experiência – ao lado roteirista Jack O'Donnell, seu parceiro no curta. Demonstrando um bom domínio das convenções do gênero, Pavia sustenta, de modo consciente, uma divertida aura de filme B, ancorada em atuações no limite caricatural e na mescla entre os sustos e a autoparódia, sabendo não se levar a sério quando necessário. Contando com recursos reduzidos – a produção teve lançamento limitado nos cinemas norte-americanos, indo, na sequência, diretamente para o mercado de vídeo e TV – por vezes o filme se assemelha a um episódio estendido de seriados dos anos 90, como Arquivo X, o que não se mostra um demérito. Auxiliado pela trilha sonora sombria de Brian Keane e encontrando soluções visuais criativas, como a aeronave do assassino, um Cessna Skymaster negro, com asas que lembram as de um morcego e interior aveludado como um caixão, Pavia estabelece o clima de mistério inicial sem deixar de lado o viés irônico do conto, que traça um paralelo claro entre os vampiros e a imprensa sensacionalista – sempre à procura de sangue, “sugando” ao máximo o fator escandalizador das tragédias. Dentro dessa reflexão, Dees surge como um símbolo máximo, profissional inescrupuloso e cínico, capaz de tudo pelo choque, algo que fica claro em cenas como aquela em que, em meio à sua investigação, registra um terrível acidente automobilístico ou quando manipula as cenas dos crimes para obter o efeito desejado em suas fotos – chegando ao ápice de violar uma lápide no cemitério.

Pavia não faz questão de abrandar essas falhas de caráter do protagonista, que se mostra ainda prepotente e machista – vide o tratamento dado à Katherine, a quem apelida de “Jimmy Olsen”. Essa antipatia gerada por Dees, porém, irá servir a um propósito posterior, além de se encaixar no perfil do ator Miguel Ferrer, com sua voz grave e imponente, expressão dura, acostumado a esse tipo de papel, e que sobressai no embate com a estreante e oscilante Entwisle. Contudo, os acertos de Pavia acabam esmaecendo na parte central da trama, que visivelmente perde o fôlego ao expandir o texto de King, deixando de explorar com mais interesse certos elementos, como o fato de Dees ser também um piloto e possuir seu próprio avião e, principalmente, as particularidades da lenda em torno do vampiro. Algumas pistas são sugeridas sobre o passado da criatura, como um amor perdido – dando sentido à sequência em que uma vítima feminina vai ao salão de beleza e altera sua aparência, se assemelhando à amada morta do vampiro - mas nunca aprofundadas. O mesmo vale para seu modus operandi – já que ele parece exercer um efeito hipnótico sobre seus alvos, conquistando sua confiança para assassiná-los no dia seguinte – que não chega a ser justificado. Há ainda outras passagens que apontam para um alcance maior do poder do vilão, como a do cão que persegue Dees, que, mesmo eficientes na construção de tensão, soam gratuitas. Essa falta de detalhamento faz com que surjam lacunas narrativas, gerando certa frustração em perceber que o potencial para uma maior imersão na fantasia não é plenamente desenvolvido.

Felizmente, Pavia se recupera dessa queda de ritmo e suplanta parte das inconsistências do roteiro com o clímax no aeroporto. Adotando uma atmosfera surreal, onírica, o cineasta transforma o encontro derradeiro entre Dees e o vampiro num pesadelo esteticamente atraente, com o uso eficaz da fotografia em preto e branco, num encadeamento de ótimos momentos, como a revelação do visual grotesco da criatura ou o tenso jogo de espelhos no banheiro. Tudo levando a uma grande, e empolgante, carnificina, cujos efeitos de maquiagem provavelmente concentraram boa parte dos recursos da produção. Essa sequência eleva o escopo de Voo Noturno, que culmina num desfecho carregado da ironia citada anteriormente, e que subverte expectativas, bem como a posição da dupla Dees/Katherine, se mantendo fiel aos questionamentos sobre o sensacionalismo midiático. Conclusão que emana um genuíno frescor e, ainda que não seja capaz de fazer com que figure entre as adaptações mais memoráveis da obra de King, é, em grande parte, responsável pela admiração conquistada pelo longa entre muitos fãs do autor e do cinema de terror.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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