Crítica
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Sinopse
Em Vovó Ninja, Arlete vive reclusa e tem um estilo de vida zen. Ela se prepara para receber os três netos em sua casa, depois de muito tempo sem vê-los. Arlete não tem muita intimidade ou jeito com as crianças, que estão insatisfeitas de passar as férias com a avó em um sítio sem internet, cheio de regras e tarefas domésticas. Após uma tentativa de roubo no local, o caçula Davi descobre que a avó tem habilidades fora do comum e, junto com os irmãos, faz de tudo para descobrir qual é o segredo de Arlete.
Crítica
Intérprete de personagens icônicos do cinema e da TV, Glória Pires vive uma avozinha lutadora de kung fu em Vovó Ninja, o mais novo filme do cineasta Bruno Barreto. Vista de fora, a decisão de participar de uma produção leve, sem grandes perspectivas artísticas, parece um desperdício de talento. Mas, além dos aspectos práticos, afinal de contas estamos falando de um trabalho remunerado, há outros fatores que podem fazer uma atriz renomada optar por participar de uma produção despretensiosa como essa. Pensando rapidamente, chegamos a outro exemplo de ator maiúsculo que vem aceitando papeis semelhantes ao de Glória Pires neste filme: Robert De Niro. Considerado por muitos como um dos grandes gênios do cinema norte-americano, ele igualmente volta e meia está em longas-metragens para toda a família nos quais vive o avô rabugento ou mesmo o pai ausente que vai consertar os vínculos de sangue antes que seja tarde. Voltando à Glória, assim como De Niro tantas vezes fez, ela empresta a sua experiência a um projeto que evidentemente se beneficia de ter alguém tão tarimbado ajudando a guiar os colegas novatos e/ou com menos estrada. O cenário que se desenha desta vez é o seguinte: Arlete (Gloria) é a senhora que mora quase sozinha numa fazenda e tem sua rotina alterada pela chegada dos três netos, os peraltas João (Michel Felberg), Elis (Luiza Salles) e Davi (Angelo Vital).
A depender se das turmas do copo meio cheio ou do meio vazio, o espectador pode enxergar Vovó Ninja de modos contrários: como desperdício de ótimos assuntos diluídos em aprendizados superficiais ou como uma bem-vinda abordagem de temas interessantes durante um filme que em nenhum momento promete ter mais profundidade emocional. Na trama, Arlete é temida nas cercanias, chamada pelos vizinhos de Véia Boladona, sobretudo pela constante cara de poucos amigos. Aos netos recém-chegados ela programa duas semanas de disciplina e contato com a natureza, além do detox de tecnologia que certamente enfurece as crianças acostumadas a ficarem com os rostos metidos em telas de celular o dia inteiro. Aos poucos, como é de se esperar, as hostilidades entre a adulta e os pequenos vão perdendo terreno e cresce a identificação entre eles. Cada neto vai lidar de um modo diferente com a nova rotina feita de acordar cedo, dormir lendo livros e se alimentar de maneira mais saudável. O caçula é o menos resistente, sobretudo depois de ver a avó botando invasores para correr na base de porrada. O mais velho é rapidamente fisgado pelo estômago, não fazendo questão de afrontar a avó que o alimenta muito bem. O conflito é mais resistente entre Arlete e a neta do meio, a apelidada de fotocópia por ter um temperamento semelhante ao da sua mãe, a estressadinha Marina (Cleo).
Enquanto avança retirando os obstáculos familiares da frente como num passe de mágica, o roteiro de Rodrigo Goulart, Gustavo Acioly e Gabi Mancini concentra a nossa atenção no acerto de contas entre avó e neta que, de certa forma, vai dar a ambas uma perspectiva diferente dos seus problemas de comunicação. Portanto, no entendimento das necessidades de Elis, Arlete ganhará a compreensão adequada sobre sua filha Marina, enquanto ao se acertar com a avó, Elis perceberá que sua mãe Marina tem mais a oferecer do que obstáculos às suas vontades. Bruno Barreto conduz a trama de maneira leve, focado na resolução dos problemas e no amadurecimento da família unida à medida que seus membros vão se conhecendo melhor. O núcleo encabeçado pelo personagem de Matheus Ceará, o dos vizinhos indignados por perder bolas e pipas que decidem invadir a propriedade da Véia Boladona, é quase um distrativo sem tanta importância. Aliás, essa outra família que vive nas redondezas apenas existe para estabelecer um pequeno conflito e dar motivos para lutas corporais com ênfase na construção do heroísmo de Arlete e, mais tarde, na integração da avó com seus netos juramentados no kung fu. Enquanto acentua a relação entre avó e neta, o roteiro quase se esquece de elaborar os anseios do primogênito e do caçula, ora sinalizando a paixonite pela vizinha, ora a vocação ninja.
Ao seu favor, Vovó Ninja tem a presença de Gloria Pires, atriz que engrandece uma personagem pouco complexa, por isso adequada à proposta da infantojuvenil. Ela convence como a chefe de família cheia de cicatrizes, muito embora se acostume rápido demais com a presença excepcional dos três netos com os quais não tem intimidade; da mesma forma, é crível como mulher que colocou a vida doméstica em suspenso durante a busca da paixão pelas artes marciais. Aliás, algo interessante a ser ressaltado é justamente o desenho da protagonista como alguém que, no passado, acabou deixando cicatrizes em sua filha ao optar por um caminho profissional/esportivo que impunha sua ausência. Estamos acostumados a conferir nos cinemas personagens masculinos que aceitam esse dano colateral de desagradar filhos e companheiros ao correrem atrás de seus sonhos. No entanto, são raras as protagonistas mulheres colocadas nesse lugar, principalmente porque sobre a maternidade recaem mais idealizações asfixiantes. Fato é que, embora seja previsível e inofensivo em todas as suas propostas, que a direção com a assinatura de Bruno Barreto fique aquém das expectativas depositadas sobre o cineasta indicado ao Oscar (por O Que é Isso, Companheiro?, 1998), o filme ainda tem algum charme e graciosidade. Mesmo sendo um passatempo com lição e clímax feliz, ele conta com Glória Pires no seu elenco.
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