float(10) float(3) float(3.3)

Crítica


8

Leitores


3 votos 6.6

Onde Assistir

Sinopse

Celeste é uma menina que sobrevive após uma grande tragédia e se torna conhecida nacionalmente. Após um tempo, ela se lança como cantora e alcança o estrelato.

Crítica

Pode-se acusar Vox Lux: O Preço da Fama de tudo, menos de ser medíocre. Desde o começo, prevalece um olhar ferino direcionado a determinados ícones da sociedade norte-americana, como a imagem de superação, aqui sustentáculo de uma carreira prontamente moldada e explorada pelo showbiz. A protagonista é Celeste (Raffey Cassidy), adolescente que sobrevive a um massacre escolar. Aliás, é com muita precisão e engenhosidade que o cineasta Brady Corbet apronta o terreno para a materialização da brutalidade, com uma longa cena da professora recebendo cordialmente os alunos antes que um deles abra fogo inadvertidamente em plena sala de aula. De pronto, portanto, há o tipo de conjuntura que infelizmente simboliza a enfermidade estadunidense ligada ao porte banalizado de armas de fogo. Como nos Estados Unidos se cultiva certa cultura da comercialização indiscriminada, a tragédia fornece a ignição necessária para a remanescente lucrar com uma trajetória de ascensão meteórica no mundo pop. O filme é deliberadamente estranho e poroso.

Vox Lux: O Preço da Fama mantém logo abaixo da superfície uma noção de instabilidade alimentada por figuras e circunstâncias tratadas habilmente pelo realizador como temperos imprescindíveis. As imagens de arquivo, que recorrentemente entrecortam a linha narrativa principal, bem como o relator onisciente, que adquire contornos praticamente messiânicos pela interpretação de Willem Dafoe, são alguns dos elementos que tornam esse percurso inusitado mais saboroso e instigante. O filme é dividido em capítulos, alguns deles intitulados como se fossem livros bíblicos, com a liberdade poética de um regênesis (sic). A religiosidade marca a trama de maneiras distintas, em níveis diversos. Os jovens adoram os ídolos musicais, praticando uma espécie de culto pagão ao acompanhar, por exemplo, a artista que se apresenta num palco cheio de movimentos, sonoridades e alternância sintomática entre luzes e trevas. Há uma conexão insuspeita entre esse espetáculo e o ímpeto da menina de rezar na iminência da sua morte.

Ainda dentro desse simbolismo essencialmente cristão, Brady Corbet promove uma rivalidade entre as então inseparáveis irmãs Celeste (vivida na idade adulta por Natalie Portman) e Eleanor (Stacy Martin), apontando ligeiramente aos filhos de Adão e Eva, embora não haja fratricídio literal para confirmar a alusão. Aliás, assim que Portman aparece no longa-metragem, como a protagonista já bem-sucedida, cercada por um time considerável de bajuladores e empregados, com a imprensa fazendo perguntas capciosas sobre episódios controversos do passado, Vox Lux: O Preço da Fama ganha uma excelente interpretação para somar às suas evidentes qualidades. Vencedora do Oscar de Melhor Atriz por Cisne Negro (2010), ela compõe uma personagem transtornada pela rotina excruciante de cobranças e excessos, sendo afetada em semelhante medida por uma distorção de realidade provocada, justamente, pelo fato de estar alheia ao mundo dos meros mortais, pois colocada por fãs e mídia no pedestal olimpiano.

Brady Corbet merece aplausos pela coragem de estabelecer um caminho caótico e instigante, em que ocorrências como a violência perpetrada por indivíduos ou grupos ecoam no passado da protagonista, vide a cena em que ela acorda a irmã mais velha para contar que um avião se chocou com o World Trade Center, quando, também, se sente traída. As selvagerias acarretam celebridade e/ou estão diretamente associada a ela. É como se a trajetória de Celeste estivesse umbilicalmente ligada a infortúnios como atentados e afins, o que encontra espelhamento em seu comportamento autodestrutivo. Conjecturas à parte, o grande trabalho de Natalie Portman, especialmente no show que encerra o longa-metragem com uma explosão de ritmo, coreografias, brilho e palavras de ordem, associado à direção criativa e ousada, gera uma obra tão exótica quanto bem-vinda. Num circuito repleto de filmes-fórmula, é revigorante assistir a algo que aposta na densidade da atmosfera e num enredo intencionalmente indomado para falar de mazelas contemporâneas.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *