Crítica
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Sinopse
A paixão pelo futebol supera até mesmo os obstáculos físicos. O campeonato europeu de futebol de cinco (para deficientes visuais) é um momento importante para o time paralímpico da Rússia. Nos bastidores, a rixa entre o antigo e o novo técnico da seleção causa mágoas, desavenças e rivalidade.
Crítica
As modalidades esportivas paralímpicas ganham visibilidade mundial apenas a cada quatro anos. Aliás, o cenário esportivo frequentemente reproduz a dinâmica de desigualdades e invisibilizações observáveis em outros setores da sociedade. Peguemos o futebol como exemplo. O masculino movimenta bilhões de dólares anualmente, conduz jogadores ao olimpo da adoração e até confere a alguns deles um status próximo ao mitológico. Já o feminino ainda enfrenta severas dificuldades para se afirmar. Mesmo que a mais recente copa do mundo de futebol feminino tenha sido um verdadeiro sucesso de público e audiência, parece utópico pensar numa equivalência total entre homens e mulheres no esporte bretão. Porém, como dizia o escritor uruguaio Eduardo Galeano, os sonhos aparentemente impossíveis servem para que não deixemos de avançar. O documentário russo Luta aborda um aspecto ainda mais escondido do futebol: a categoria adaptada para os deficientes visuais. Mais especificamente, o cineasta Maxim Arbugaev mostra a preparação do time russo para a disputa dos principais campeonatos que vêm pela frente, sendo mais o imediato deles a difícil copa europeia. O filme observa vários personagens e a partir da experiência única deles desenha um painel amplo, às vezes vago, mas ainda assim interessante. Há o técnico vanguardista, o “usurpador” e os jogadores excepcionais.
O começo de Luta é convencional para um documentário esportivo que toca em algo tão específico. O treinador Nikolay Beregovoy traça uma linha do tempo para explicar como teve a ideia de criar o primeiro time russo de futebol para deficientes visuais. No melhor estilo “cabeças falantes” – com o dispositivo e o entrevistado estáticos – o sujeito cita motivações, desafios, contratempos e particularidades. O filme ganha dinamismo ao registrar o cotidiano dos atletas e da comissão técnica. Muito já se falou do desafio que é capturar a emoção do futebol no suporte audiovisual. Como proceder? Fazer planos amplos para construir um mosaico do que acontece (deslocamentos, comportamento dos jogadores com e sem a bola, influência do árbitro, etc.) ou seguir fielmente a pelota? Eleger a esférica cobiçada como protagonista e a partir dela entender a fisicalidade do jogo? A opção do longa-metragem russo é pelas minúcias. Com planos fechados, atentos aos detalhes, ele traz para o âmbito físico a compreensão do funcionamento particular da modalidade que precisa do silêncio dos torcedores, na qual os sons são vitais ao andamento das partidas. Dá para ter uma ideia de como esportistas se situam mesmo sem enxergar. Eles ficam atentos às orientações da equipe técnica à beira do campo e aos barulhos. Nesses momentos, o realizador privilegia a sensorialidade das disputas.
Nos instantes em que pretere a informação em função da emoção nas quatro linhas do campo reduzido, Luta se aproxima do que Eryk Rocha faz com Campo de Jogo (2015), ou seja, enfatiza a poética dessa paixão mundial. Porém, mesmo com menos de 80 minutos à disposição, o cineasta parece afoito para trazer à tona outros tópicos que circundam a preparação do time russo. O principal deles é a mágoa de Nikolai por ter sido sumariamente tirado do comando técnico da seleção e trocado por um profissional que sequer tinha experiência com meninos deficientes visuais – Alexander Erastov tinha trabalhado com jovens surdos. Maxim Arbugaev estimula a disputa ao apresentar alternadamente as acusações de um e as defesas do outro. Nikolai fala do colega como se ele tivesse privilégio pelas conexões com o governo. Por sua vez, Alexander chama o antecessor de obsoleto e se resigna diante da submissão do cargo à qualidade/quantidade dos resultados. O cineasta aparentemente toma uma posição neutra nessa disputa. Dá espaço aos dois lados, assim reassumindo a postura jornalística. Apenas uma transição desestabiliza esse aparente fiel da balança. Logo depois de o treinador atual insinuar que o antigo foi demitido por não possuir títulos, Nikolai é mostrado falando que não tem mais lugar em casas para troféus. Se trata de uma réplica direta permitida pela operação de montagem.
Além de investigar a sensorialidade do futebol para deficientes visuais, de evocar a especificidade do time russo e de observar disputas de bastidores, Luta ainda traz histórias de atletas. Como se numa reportagem (novamente aqui se aproximando do jornalismo), Maxim Arbugaev filma os irmãos gêmeos explicando como ficaram cegos, dá espaço para opiniões e acompanha um pouco de seus cotidianos. Rigorosamente da mesma forma, ele ouve o capitão do time sobre o motivo da cegueira, abre o microfone para ponderações e observa uma parte de sua rotina familiar. Aliás, esse sujeito serve para tornar ainda mais complexa a disputa entre os técnicos, pois elogia o anterior, lamentando a sua demissão, mas assume que tem evoluído com o atual. Luta tenta alinhavar essas pontas todas num itinerário sucinto. Em certos momentos, fica disperso exatamente pela falta de um norte, de um foco a partir do qual todos os outros poderiam ser revelados. A opção do roteiro por uma abordagem plural gera uma bem-vinda amplitude, mas sacrifica os detalhes. Ainda assim, sobretudo do ponto de vista informativo, o longa-metragem presta um serviço valioso ao contemplar uma modalidade esportiva que, nos é levado a crer, interessa à imprensa e ao público somente de quatro em quatro anos.
Filme visto online durante o 2º Festival de Cinema Russo, em setembro de 2021.
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