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Crítica


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Sinopse

O documentário faz um retrato de determinas lideranças femininas preocupadas com a manutenção de questões ligadas ao meio ambiente, à preservação de bens imateriais ligados à cultura profunda de um Brasil ribeirinho, quilombola e extrativista. Mulheres que vão à luta tentando resistir à toda sorte de infortúnios e antagonistas.

Crítica

A revolução oriunda da consciência da necessidade de cuidar do meio ambiente será feminina, isso de acordo com Betse de Paula no documentário Vozes da Floresta. Direcionando sua atenção às mulheres que estão na linha de frente dos esforços que concernem às causas ecológicas, às de preservação de práticas laborais tradicionais e às etnias marginalizadas, a cineasta faz um painel dessa resistência aos ditames do capitalismo desenfreado travestido de progresso pelo andamento do livre mercado. As protagonistas são quilombolas, indígenas, ribeirinhas, quebradeiras de coco e extrativistas batalhando diariamente contra descasos governamentais, a atuação indiscriminada de jagunços contratados por latifundiários apenas preocupados com o lucro, enfim, deparando-se com toda sorte de infortúnios e intempéries. O que de melhor o filme tem é o seu material humano, os exemplos pinçados no seio de movimentos imprescindíveis e pouco valorizados.

Vozes da Floresta se desenvolve em capítulos, denominados de acordo com as atividades escolhidas para representar essas atuações num Brasil profundo, distante dos olhares da sociedade que faz vista grossa às suas demandas. Mas Betse prefere deixar que as mulheres expressem suas realidades, no mais das vezes, em planos longos, sem a operação de uma montagem que dê conta de dirimir a dispersão advinda da sobreposição de elementos. Sim, pois embora as realidades sejam distintas, determinados componentes são comuns a praticamente todas as entrevistadas. A opção por fragmentar cartesianamente o roteiro em tópicos bem específicos, não promovendo um entrelaçamento direto entre as vivências, senão na percepção do espectador, torna o filme inconsistente enquanto conjunto, valoroso somente em partes. O formato de entrevistas adotado é bastante tradicional, com personagens depondo em cenários naturais, geralmente de modo estático.

Óbvio que a trajetória brilhante da primeira advogada indígena do Brasil ressoa naturalmente nas palavras da deputada que igualmente defende a causa nativa nas altas (e distantes) esferas do poder. Com certeza a relação de labor e, principalmente, a luta a fim de não perder a atividade das quebradoras de coco reverbera espontaneamente nas reivindicações das ribeirinhas e mulheres quilombolas que, basicamente, precisam refrear obras e expansionismos dos brancos para manter íntegra a sua cultura. Todavia, em Vozes da Floresta, talvez, e, sobretudo, por entender prontamente a imediata correlação estabelecida, Betse não trabalha com afinco os pontos de atração, permitindo que as histórias se sucedam, estofadas de informações por depoimentos riquíssimos, mas destituídas de força assumidamente cinematográfica, exceto por certos planos elaborados. A inclinação pelo jornalístico passa por um registro pouco dramatúrgico, mais detido na simples captação de experiências. A gênese televisiva ajuda a compreender um pouco as opções estético-narrativas.

Em Vozes da Floresta, personagens como Joênia Wapishana sobressaem pelas articulações, enquanto outras manifestam suas relevâncias por meio da exposição de sabedorias estreitamente atreladas às práticas cotidianas no âmbito da natureza. As quebradoras de coco, uma vez organizadas contra as condutas predatórias dos vizinhos, conforme se observa num misto de indignação e resignação, constituem um dos núcleos importantes desse conjunto combalido pelo decurso carente de oxigenação. A falta de uma criatividade visual constante é parcialmente compensada pela enorme força das falas, por aquilo que conduz o processo beirando o esquemático, no qual há mais soma do que justaposição. Betse de Paula se restringe ao terreno das imagens retóricas, das denúncias fundamentalmente redundantes, embora fiquem delimitadas em terrenos cheios de particularidades. As entrevistadas crescem sobre o filme, engolindo-o sem maiores problemas.

 

(Filme assistido durante a 29ª edição do Cine Ceará)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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