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Sinopse

Katia e Maurice Krafft morrem por conta de uma explosão vulcânica enquanto desvendam mistérios da natureza.  

Crítica

Indicado ao Oscar de Melhor Longa Documentário, Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft é uma história de amor. Casados, Katia e Maurice Krafft foram celebridades da vulcanologia, essa disciplina da geologia dedicada especificamente ao estudo dos vulcões. No entanto, não é bem sobre esse vínculo homem/mulher que o filme fala, embora remonte a vários momentos-chave do relacionamento – como os dois se conheceram, se tinham ou não diferenças, os papeis desempenhados numa conexão que ia além do âmbito doméstico, etc. O documentário é mais sobre o amor que ambos os cientistas nutriram por uma área tão fascinante quanto perigosa, um tipo de atividade que necessita de notas de obsessão e irresponsabilidade para os resultados extrapolarem a mediocridade. A atriz e diretora Miranda July narra o filme com um tom de voz bastante apropriado para contar, justamente, histórias de amor: timbre doce e entonação que mantêm o interesse no vínculo. Mas, a voz sintomaticamente tem um quê de melancolia. Esse trabalho excepcional de composição deixa sempre latente uma tristeza retrospectiva, afinal de contas estamos falando de uma história de amor interrompida pela morte dos dois geólogos durante uma erupção vulcânica no Japão ocorrida no princípio da década de 1990. Desse modo, a narração não é apenas uma ilustração, pois uma parcela fundamental da atmosfera almejada.

Há muitos vieses em Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft. A cineasta Sara Dosa toca em diversos assuntos e subtextos ao reconstituir a trajetória profissional de Katia e Maurice. Para começo de conversa, a dimensão puramente científica é utilizada estrategicamente para nos convidar a partilhar do interesse dos protagonistas. O entusiasmo do casal funciona como um constante e eficaz imã à nossa experiência. Então, quando menos esperamos, estamos profundamente interessados em movimentos de placas tectônicas, diferenças entre os vulcões vermelhos e os cinzas assassinos, no pulsar de um planeta em constante transformação e nessa lógica científico-poética de uma estrutura geológica que precisa destruir para criar – em dado instante, a narradora fala que o solo deixado para trás depois de uma erupção vulcânica potencialmente devastadora é um dos mais férteis que existem. E no meio de tudo isso temos a atenção às singularidades de Katia e Maurice, sobretudo aos aspectos essenciais das personalidades dos dois, aos mecanismos individuais para obtenção de resultados, às prudências e imprudências. A realizadora refuta depoimentos, entrevistas, painéis feitos de opiniões especialistas, em suma, dispositivos meramente expositivos. Ela utiliza como fonte o vasto material fotográfico e audiovisual deixado para trás, um resultado de décadas de estudo.

Existem passagens particularmente inspiradas nesse documentário indicado ao Oscar. Num deles, em meio à reflexão sobre a vaidade dos pesquisadores – especialmente a de Maurice, aquele que claramente construía um personagem diante das câmeras –, Sara Dosa demonstra que um mesmo instante foi filmado de várias maneiras. Embora Maurice dissesse que não era cineasta, afirmando que seus filmes se tratavam apenas de testemunhos com preocupações científicas e não cinematográficas, porque ele pediria à esposa para encenar várias vezes o gesto de aproximar-se da beira de um vulcão em atividade? E porque haveria uma tomada dos cientistas parecendo cowboys típicos de faroeste transitando pela imensidão do “deserto” em desabalada carreira? Sara não apenas formula essas perguntas, como também insere na alusão ao faroeste uma trilha sonora característica do gênero, estratégia para anular quaisquer dúvidas quanto à preocupação cinematográfica de Maurice. Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft é um filme que se revela em camadas e transita muito habilmente entre a intimidade e a grandiosidade, passeando sem medo entre as constatações científicas e os questionamentos poético-filosóficos. E isso tem a ver, fundamentalmente, com o aproveitamento das imagens de Katia e Maurice, sobretudo essa ressignificação do material tendo em perspectiva a morte dupla.

Um dos principais atrativos de Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft é a coleção de flagrantes impressionantes de fenômenos da natureza. São imagens lindíssimas de vulcões em erupção, de rios de lava correndo ao mar, de bolas de magma esculpidas ao submergir nas águas, de geografias inteiras modificadas pela atividade dessas montanhas imponentes que despertam furiosas depois de alguns séculos adormecidas. Mas, de nada valeria essa eloquente beleza sem a criação de uma dramaturgia suficientemente potente para, por exemplo, transformar os vislumbres visualmente bonitos em oportunidades de ponderação sobre aspectos da existência que datam de muito antes da presença da humanidade. A riqueza de material de arquivo à disposição é valorizada por esse encadeamento entre os interesses científicos e aos anseios líricos, ao ponto de essas áreas tantas vezes colocadas em polos antagônicos serem encaradas como inesperadamente complementares. Katia e Maurice Krafft são personagens fascinantes pela obstinação, cativam pela disposição de arriscar a própria vida em prol do amor pela vulcanologia e são observados, basicamente, dentro dessa perspectiva emocionante. Os mergulhos na personalidade de cada um são pontuais, mas servem para moldar o aspecto humano das vidas dedicadas ao estudo dos vulcões, os amantes que lhes deram e tiraram tudo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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