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Sinopse

Andrzej está à beira dos 30 anos. Ainda não passa de um estranho, sem raízes, estrangeiro alienado e está prestes a entrar em um torneio de boxe no qual ele tem pouca expectativa de ganhar. Na noite anterior à luta, ele encontra Teresa, uma jovem que conhecia na universidade antes de ser expulso.

Crítica

A primeira imagem que vemos em Walkover é a do rosto de uma mulher, um semblante melancólico, aflito, que encara diretamente a câmera. Subitamente, a dona da face dá as costas ao olhar do espectador, enquanto, ao fundo, um trem se aproxima da plataforma. Fora de quadro ouve-se um grito feminino, e uma pequena aglomeração de pessoas começa a se formar. Um suicídio acaba de ocorrer. Essa sequência inicial se relaciona diretamente com aquela que encerra o longa-metragem anterior de Jerzy Skolimowski, Marcas de Identificação: Nenhuma (1965), tanto pelo ambiente da estação onde Andrzej, personagem vivido pelo próprio cineasta, embarcara rumo ao serviço militar quanto pela presença da atriz Elzbieta Czyzewska, a garota suicida, que talvez pudesse ser Barbara, uma das três personagens interpretadas por ela no trabalho de estreia de Skolimowski.

Desta vez, no entanto, Andrzej não está partindo, mas sim chegando. Anos se passaram, o tempo no exército terminou e ele retornou à universidade para tentar prosseguir com seus estudos, novamente sem obter sucesso na graduação. Agora, ganhando a vida como lutador de boxe, Andrzej viaja pela Polônia sem rumo, carregando uma angústia que se reflete nos versos declamados pelo locutor, que ecoam de seu rádio de pilha portátil: "Eu não sei o que estou fazendo aqui. Depois de tantos anos, depois de algo como a juventude ou amor”. Prestes a completar 30 anos, seu aniversário é no dia seguinte, o peso da indefinição, do sentimento de fracasso, só faz aumentar, sendo atenuado apenas quando dividido com Theresa (Aleksandra Zawieruszanka), antiga colega de faculdade que Andrzej reconhece, mesmo sem inicialmente lembrar de seu nome, logo ao desembarcar do trem.

Ainda que aparente ter uma vida estruturada, trabalhando como engenheira num grande projeto do governo, Theresa acaba se revelando quase tão insegura e perdida quanto Andrzej. Ambos sintetizam a inquietação de Skolimowski, que novamente adota o registro transbordante de urgência visto em Marcas de Identificação: Nenhuma para apresentar uma realidade em constante mutação. O mundo que cerca seus personagens é marcado por acontecimentos dos quais emanam o movimento, a transformação: um acidente de trânsito, a família de mudança que carrega os móveis pela rua, as obras no escritório do chefe de Theresa, os convidados da festa que invadem o apartamento vazio da garota, a cruz que é derrubada na fábrica. Tal mobilidade incessante contrasta justamente com o senso de estagnação emocional dos protagonistas, que seguem alheios, petrificados pela falta de perspectiva.

Além de dar continuidade aos temas trabalhados em sua obra anterior, Skolimowski emprega também a mesma identidade visual, marcada pelos longos planos sem cortes, pelos movimentos inusitados e pela montagem imprevisível que parece seguir o ritmo, e o espírito do improviso do jazz que embala a trilha sonora. A narrativa mais uma vez é calcada em encontros fortuitos e na sensação de familiaridade, de que os personagens, que se esbarram o tempo todo, estão conectados por um sentimento em comum. Aqui, porém, o cineasta amplia essa noção para o âmbito espacial, dando a impressão de que todos os cenários do longa estão interligados: a arena de boxe dentro da fábrica, que desemboca nas obras supervisionadas por Theresa, que parecem estar ao lado da estação de trem etc. Desta forma, o cineasta cria um microcosmo que espelha a turbulência interior de Andrzej.

Nesse ambiente caótico, apenas duas possibilidades são oferecidas aos personagens. A primeira é o escapismo da fantasia, dos sonhos, como os de Theresa, que, no assoalho do apartamento sem mobília, desenha com giz um divã, a princípio individual, mas que talvez também possa acomodar Andrzej, ou que ainda imagina o recorte das silhuetas dos rostos dos dois, feito por um artista de rua, como um retrato de casamento. A segunda opção é a luta, que tem no boxe uma metáfora escancarada. É o caminho seguido por Andrzej ao longo dos últimos anos de sua vida, que o fez se acostumar a acordar antes que sua mãe completasse a contagem até 10, que o levou a apreciar o soar do gongo, um som de alívio, de alegria, e que também parece ter exaurido suas forças por completo.

Cansado de tantas quedas, Andrzej já não consegue se levantar antes que Theresa finalize a contagem, já antevê a derrota, preferindo pegar o trem e fugir ao lado da garota, abandonando o combate final. Contudo, no último instante, impelido pelo clamor do humilde boxeador que enfrentara no dia anterior, e que acompanha a locomotiva em uma moto – no mais complexo e belo plano-sequência do longa – Andrzej muda de ideia e retorna ao ringue, apenas para descobrir que não há adversário. Declarado vitorioso, porém não se sentindo como tal, ele recebe seu prêmio: um relógio de pulso e um rádio de pilha, iguais aos que já possuía. Numa conclusão envolta em ironia e pessimismo, Skolimowski faz com que Andrzej receba o golpe derradeiro. Não aquele desferido pelo adversário que surge para exigir parte da premiação, mas o da constatação de estar destinado a seguir eternamente em uma luta vazia, sem propósito, na qual não há vencedores de fato.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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