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Sinopse

Na Havana de 1990, René González rouba um avião e foge do país. Deixa para trás esposa e filha e começa uma nova vida em Miami. Logo, no entanto, é acompanhado por outros refugiados cubanos, todos trabalhando para a desestabilização do regime de Fidel Castro.

Crítica

Cuba, década de 1990. Devido ao embargo econômico imposto pelos Estados Unidos e às restrições à liberdade individual decorrentes do regime de Fidel Castro, muitos cubanos sonham em sair da ilha e viver na Flórida. Alguns pilotos passam a cooperar com cubanos que tentam a travessia pelo mar, arriscando suas vidas. Depois, estes mesmos pilotos começam a se organizar num serviço de inteligência. Eles transportam armas, em seguida pegam em armas, transportam drogas, se negam a transportar drogas, passam a cooperar com os Estados Unidos em segredo, e depois cooperam com Cuba para esconder a cooperação com os Estados Unidos – ou algo do tipo. As forças revolucionárias e as contrarrevolucionárias pulam entre um país e o outro, e também vão a El Salvador, Porto Rico, Venezuela.

Esta explicação pode parecer um tanto confusa – assim como a estrutura de Wasp Network: Prisioneiros da Guerra Fria. O filme dirigido por Olivier Assayas elege uma dúzia de protagonistas, em diferentes partes das Américas, transitando por lados distintos do espectro político, planejando roubos e atos terroristas que nem sempre vemos em tela. A cada quinze minutos, um novo personagem importante é introduzido na trama (vide a entrada tardia de Gael García Bernal) enquanto outros que pareciam essenciais são esquecidos (como Wagner Moura) ou relegados à posição de coadjuvantes (caso de Leonardo Sbaraglia). O que dizer da “Rede Vespa” do título? Apenas na segunda metade da trama o diretor decide fazer um rápido flashback explicativo, com uma voz em off fornecendo uma sinopse rápida do grupo, antes de carimbar um letreiro na tela: “De volta ao presente”.

Isso implica num projeto não apenas confuso em suas informações e dados históricos, mas caótico em termos de ritmo, narrativa e ponto de vista. A montagem não dá conta de humanizar nenhum dos personagens em tela: logo após uma ação, corta-se para outro núcleo, quando se discute uma nova estratégia, aparentemente sem relação com a anterior. Nenhum personagem tem tempo para sofrer com os dilemas pessoais da espionagem contra Cuba, nem para temer a perseguição do governo, ou a represália de seu próprio povo. Não há embates amorosos – as esposas, todas belas e silenciosas, se calam e aceitam as decisões dos maridos -, nem morais ou patrióticos. Este seria um filme de ação no sentido mais depreciativo do termo: os personagens deslocam-se de um ponto para outro, efetuam uma ação – na maior parte do tempo, aceitam uma nova cooperação negociada à mesa entre a dupla Edgar Ramirez-Leonardo Sbaraglia, ou Wagner Moura-Sbaraglia, ou ainda García Bernal-Moura - e depois os efeitos destas ações são discutidos num futuro próximo. Não há reflexão prévia, nem consequência imediata.

O atropelamento do ritmo decorre não apenas da adaptação literária incapaz de sacrificar elementos, como também da vontade de representação mais ligada à quantidade (quanto mais espiões, cidades e épocas, melhor) do que à capacidade de desenvolver cada um deles. Como consequência, tem-se um filme frio, nos quais os grandes atores em tela parecem intercambiáveis, sem traços de personalidades marcantes (talvez coubesse a Wagner Moura o papel do espião ambicioso e vaidoso, e a Edgar Ramírez o do sujeito íntegro, mas nada disso é explorado a contento). Os inúmeros planos evocados pelas conversas surgem em tela sem qualquer contextualização ao espectador: como temer pela descoberta de drogas num avião se a imagem ocupa tempo tão modesto, sendo rapidamente substituída por outro conflito, envolvendo outro personagem, em outro país?

Wasp Network: Prisioneiros da Guerra Fria remete a outra produção sobre máfias, estrelada por grandes atores e fracassada em suas intenções: O Conselheiro do Crime (2013), de Ridley Scott, no qual vários homens supostamente poderosos debatiam incessantemente a respeito de estratagemas arriscados que nunca víamos, envolvendo uma quantidade de nomes e cidades de difícil acompanhamento. Em comum, ambos os filmes contam com Penélope Cruz, atriz magnífica, capaz de trazer complexidade à figura da “esposa do protagonista” apesar das poucas cenas de que dispõe. Tanto em Wasp Network quanto em O Conselheiro do Crime, existe uma falha evidente na representação pelas imagens, que permanecem no caráter mais superficial da evocação. De que adianta ter uma dúzia de personagens em dezenas de cenários, se este são usados apenas como veículos de diálogos e microcenas desconectadas do conjunto?

Como, afinal, se concebe a “rede vespa” enquanto movimento coeso, se estes homens nunca se encontram em mais de dois por vez, e jamais partem de uma liderança unificada? Assayas sofre, por fim, com a principal armadilha dos filmes corais: a questão do “enquanto isso”, ou seja, a necessidade de sugerir ao espectador o que os outros protagonistas estariam fazendo enquanto vemos apenas um deles em cena. Ora, no caso deste projeto, é impossível obter um ponto de vista global: quando os personagens são suprimidos pela montagem, eles param de existir. Muitas vezes, retornam anos depois, com outros conflitos a resolver – sinal da evidente dificuldade em trabalhar elipses.

Talvez para não complicar ainda mais sua exposição, Assayas trabalha com uma linguagem bastante simples: planos e contraplanos em cada conversa, diálogos essencialmente expositivos (os personagens dizem quem vai fazer o quê, e quando), imagens muito saturadas para mostrar uma Cuba multicolorida e acolhedora, além de letreiros, mapas, anos e fachadas de cidades para situar o espectador onde exatamente a trama se encontra desta vez. Tamanho cuidado parece inútil, entretanto: sem investir no caráter humano deste episódio, ou em sua capacidade de espelhar conflitos sociopolíticos atuais, a longa enumeração de fatos fica presa ao preciosismo arquivista, muito mais descritivo do que propriamente reflexivo.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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