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Crítica


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Sinopse

Jean se muda para a casa de infância do marido para ajudar a cuidar de seus sogros idosos. No entanto, ela engata um romance com um amante suicida, o que vai tornar as coisas ainda mais complicadas.

Crítica

Este filme é habitado por personagens melancólicos. Pai, mãe, filhos e avós dividem a mesma casa, e todos estão descontentes com as suas vidas. Não existe qualquer grau de desespero conduzindo a brigas, apenas uma tristeza uniforme e conformista em relação às suas existências mornas. Jean (Jeanne Tripplehorn) mantém um caso com um colega do clube literário do bairro, porém nunca se mostra realmente feliz com o relacionamento extraconjugal. O marido Gordon (Damian Young) sonha em se tornar pintor, mas se contenta com o pequeno trabalho de gerente num comércio entediante. A filha adolescente luta para integrar um reality show, já o irmão menor deseja se tornar interessante aos olhos de uma menina de sua turma. Cada um deles recebe um único conflito que consome seus dias, e todos falham em suas ambições. O filme busca desenhá-los como os adorados “perdedores” do cinema indie norte-americano, mas a abordagem do diretor Donal Lardner Ward evita o típico humor que deveria equilibrar a tristeza. De modo geral, temos uma galeria de pessoas depressivas, transitando por um subúrbio inóspito de dias nublados. O fato de a família inteira manifestar um cansaço semelhante tampouco contribui para a imersão neste contexto.

Ironicamente, We Only Know So Much (2018) pretende funcionar enquanto comédia dramática. Haveria diálogos suficientes para desarmar a seriedade através de comportamentos inesperados ou tiradas sarcásticas. Quando Jean, inconformada com o suicídio de seu amante, aconselha ao filho pequeno: “Espero que a sua amada não se mate”, o texto apresenta clara intenção de provocar risadas. O mesmo vale para o reencontro dela com as colegas do clube do livro, quando despeja sua raiva através de uma crítica raivosa, ou quando Gordon reencontra a antiga namorada de quem sequer se lembrava. Ora, estas passagens são abordadas com bastante seriedade pela direção e pelos atores, avessos à abertura de brechas para a percepção dos absurdos, ou do humor patético tão próximos ao universo abordado. A constante ameaça de mortes no horizonte – o suicídio de James (Donal Logue), a morte dos avós idosos – poderia ser transformada em algum aprendizado sobre a capacidade de rir da finitude ou de aproveitar os nossos dias (Carpe Diem), mote comum a obras agridoces do gênero. Em contrapartida, o projeto baseado no livro homônimo de Elizabeth Crane foge a qualquer possibilidade de transformação, evitando tanto ao otimismo fácil quanto a convicção da melhoria dos indivíduos através do trauma.

A direção de Ward prejudica a fluidez da trama. À primeira vista, o cineasta aposta na linguagem consagrada do cinema independente: câmera na mão seguindo os personagens, luz natural, trilha indie-pop na transição entre cenas, atmosfera outonal em oposição ao aspecto caloroso dos dias de verão. Com o decorrer das cenas, entretanto, a cartilha se mostra limitada para filmar as interações em conjunto – algo essencial num filme de personagens. Os encontros da família à mesa jogando cartas e a reunião do clube do livro demonstram a dificuldade do autor em criar ritmo e dinâmica a partir das conversas. A montagem basicamente salta de um rosto para o outro, em planos fechados e centralizados no rosto de cada personagem, impedindo as trocas de olhares, os subentendidos, a contemplação. Reforça-se então a simplicidade estrutural: estas figuras não possuem outros dilemas para além daqueles visivelmente estampados em seus rostos. Mesmo as conversas entre dois personagens se limitam a planos e contraplanos acadêmicos. Quando grupos maiores se reúnem, a câmera invariavelmente opta por plongés artificiais, abrindo o enquadramento para abarcar todos os presentes e dificultando a tarefa da direção de fotografia que não encontra meios de iluminar os espaços.

Apesar desta construção estética simples, a narrativa cumpre com as passagens padronizadas do luto, literalmente dividindo a sua trama em etapas deste processo: a negação, a raiva, a aceitação etc. We Only Know So Much se assemelha a um projeto terapêutico, não apenas para seus personagens (que não aprenderão a eliminar os problemas, apenas conviver melhor com eles), mas também para o espectador. Rumo ao final, Jean se torna a porta-voz de conhecimentos adquiridos ao longo da aceitação da morte de James. “Faça a sua própria realidade”, ela declara, enquanto um letreiro lúdico, em formato de caça-palavras, repete o mantra. A felicidade depende apenas de você, corra atrás de seus sonhos, seja a mudança que você quer no mundo. Este pode não ser um lema particularmente complexo, no sentido que jamais leva em consideração as dificuldades socioeconômicas envolvidas (a classe média retratada possui maiores condições de “fazer a sua própria realidade” do que as classes desprivilegiadas). No entanto, serve como incentivo à superação de obstáculos, ou seja, um pequeno empurrão para ajudar espectadores num momento difícil. Este parece constituir um ponto central do projeto que se encarrega de ensinamentos considerados indispensáveis.

Ao final, o drama merece admiração por nunca julgar moralmente a esposa infiel nem a filha superficial, confrontada a um problema grave na conclusão. O roteiro pode não ser particularmente carinhoso com os personagens, impedindo que tenham reais prazeres ou pequenas conquistas no decorrer de suas trajetórias penosas. Mesmo assim, foge à ideia de que precisariam se adaptar às imposições do meio para conviverem em sociedade. Você pertence a um grupo do livro repleto de mulheres fúteis? Crie seu próprio clube do livro. Está descontente com o trabalho administrativo e burocrático? Abandone tudo e abrace a carreira artística com que sempre sonhou. Sente falta do amante falecido? Diga-o com orgulho, diante de todos. Assuma suas fraquezas e faça delas um orgulho, sustenta o discurso exemplar desta fábula, onde todos os personagens atravessam os mesmos aprendizados simultâneos. A conclusão adota um teor muito menos filosófico e psicológico do que de autoajuda, munindo-se de frases tão grandiosas quanto vagas. Entretanto, resta a vontade de efetuar um cinema humanista, tão terno no tratamento dos conflitos quanto pouco ambicioso na linguagem cinematográfica.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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