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Crítica


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Sinopse

Um dos mais visionários cineastas a refletir sobre o espírito de sua geração. O processo artístico e as realizações de um diretor que frequentemente propõe viagens profundas por geografias territoriais e íntimas.

Crítica

Atualmente, há uma saturação de documentários biográficos. Isso não acontece por falta de personalidades interessantes, mas em virtude da adesão frequente ao modelo bastante consolidado que envolve basicamente apresentação cronológica de fatos, depoimentos de amigos e colaboradores e, quiçá, testemunhos do protagonista. Em Wim Wenders: Desperado, os diretores Eric Friedler e Campino não refutam de todo esse esqueleto, mas operam no sentido de trazer ao tecido do filme alguns elementos caros ao personagem que ambos abordam com evidente admiração. No começo, é bem curioso como o cineasta Wim Wenders, um dos grandes nomes do cinema alemão, é transportado a uma imitação da atmosfera de Paris, Texas (1984), para alguns a sua obra-prima. Ele é levado a mimetizar os passos cadenciados e os olhares perdidos de Harry Dean Stanton, em planos claramente pensados para, em virtude da repetição, criar pontes simbólicas entre criador e criatura. Até mesmos a tipografia remete ao longa que, de certa forma, funciona como catalisador narrativo.

Existem pontuações acerca da criação de Wenders, sobretudo lá pela metade do filme, após termos contato com algumas reflexões pessoais e artísticas desse homem nascido imediatamente no pós-guerra, ou seja, sendo um filho da geração que vivenciou a sanha nazista. Os pais do cineasta surgem em imagens de arquivo borradas, o que gera um efeito sutil, mas poderoso, ao simbolizar visualmente o caráter fugidio da memória. Asas do Desejo (1988), outro dos longas paradigmáticos assinados por Wenders, é citado constantemente, inclusive também com recriações de cenas que mostram o protagonista perambulando por uma biblioteca como fizeram os anjos na produção oitentista. Essa atuação de Wenders não passa apenas pelas pequenas reimaginações de personagens tornados célebres em suas realizações. Adiante, ele conversa amistosamente com o colega Werner Herzog, partindo da constatação bem humorada de que ambos são instados a criar versões de si próprios, uma vez que estão diante da câmera e deles se espera um tipo de comportamento.

Eric Friedler e Campino investigam, não de modo verbalizado, mas experienciado, a intimidade entre Wim Wenders e alguns de seus “filhos” (pois carregam seu DNA). Diluindo constatações em conversas abertas sobre processo criativo, rememorações de uma trajetória marcada por sucessos e acidentes dolorosos, os realizadores conseguem trazer à tona a intimidade do homem e do criador, sem para isso incorrer numa excessiva devassidão de sua privacidade. A instalação em Paris é um momento particularmente bonito pela maneira como cenas estonteantes de filmes de Wenders são projetadas numa estrutura imensa. O resultado é uma espécie de liturgia, na qual o cinema se converte em divindade e o alemão surge como um sacerdote devotado e sensível. Há um equilíbrio fino em Wim Wenders: Desperado entre a radiografia da carreira e as forças motrizes desta, entre as autoanálises de um sujeito indispensável para pensarmos o cinema pós-Segunda Guerra Mundial e a visão que amores, amigos e colaboradores têm dele, seja como pessoa ou artista.

Dentro desse processo intenso, carregado de sutilezas, há o esboço da tese sobre os motivos de Wenders não ter feito grandes ficções nos últimos anos, especialmente do começo dos anos 1990 para cá. Sua esposa dá a chave para compreendermos a inadequação diante dos esquemas rígidos dos estúdios norte-americanos, estes que interditam parte daquilo que torna seu marido singular, ou seja, a disposição por atirar-se sem rede de proteção nas possibilidades que um filme em construção oferece. Engessado pelos ditames dos financiadores, ele atende ao chamado do cartesianismo germânico, levando projetos adiante, mas sem a liberdade essencial para que sua excepcionalidade emerja de onde parece germinar somente o caos. O esmiuçar da disputa dele como o então produtor Francis Ford Coppola é um indício muito forte dessa leitura. O estadunidense, que sempre brigou para resguardar a sua autoria, vestiu-se de sistema e cortou as asas do alemão que, em rompantes de genialidade, criou retratos ímpares do caráter melancólico da Alemanha e dos Estados Unidos.

Filme visto online no 25º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, em outubro de 2020.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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