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Sinopse

Robyn, uma jovem caçadora, vai à Irlanda com seu pai para tentar acabar com o último bando de lobos. Os animais são vistos como demoníacos, verdadeiras encarnações do mal. Logo, os algozes terão outra perspectiva das alcateias.

Crítica

As florestas do Reino Unido já deram origem a muitas lendas e histórias. Talvez a mais popular seja a de Robin Hood, mas há muitas outras, menos populares, mas merecedoras de igual – ou até mesmo maior – atenção. É a partir de um desses contos que a trama de Wolfwalkers se estabelece. A belíssima animação da dupla Tomm Moore e Ross Stewart – ambos envolvidos em dois projetos do gênero indicados ao Oscar, os impressionantes Uma Viagem ao Mundo das Fábulas (2009) e A Canção do Oceano (2014), o primeiro como diretor e o segundo na equipe de desenhistas – se passa há alguns séculos no interior da Irlanda, região dominada pela religião católica e pelos animais selvagens. Entre esses, é claro, os lobos. E será na relação dos homens – aqui, invasores e ignorantes – com as feras – invadidas e movidas pelo instinto de defesa – e, mais ainda, na crença humana entre o que lhe é dito (por padres, pastores e outras figuras de poder) e a maneira como a natureza se manifesta (não tão didática, mas não menos expressiva) que os conflitos se estabelecerão – e, também, encontrarão os meios para se resolverem. Um exemplo que não cansa de se repetir – e, por isso mesmo, segue necessário. Ainda mais quando envolto por um produto de tão alta qualidade como o que aqui se encontra.

A família Goodfellowe já sofreu sua cota de pesares, e por isso deixou a Inglaterra em busca de novas oportunidades. Agora, estão reunidos apenas pai e filha, os únicos remanescentes de um clã que se imagina tenha sido forte, mas do qual hoje poucas lembranças permanecem. A pequena Robyn (voz de Honor Kneafsey, de A Casa Torta, 2017) é forçada a levar uma vida adulta – entre suas tarefas estão manter a casa limpa e em ordem – enquanto anseia por se ver em ação ao lado daquele que lhe deu vida, Bill (voz marcante de Sean Bean), convocado para ser o caçador oficial da região. É ele quem recebe a responsabilidade de matar os lobos das florestas vizinhas que ameaçam os fazendeiros e agricultores das redondezas do feudo onde vivem. A ordem é do Lorde Protetor (Simon McBurney, de Carnival Row, 2019), um homem de gestos secos e palavras ríspidas, que se acredita iluminado pela palavra do Senhor e, por isso, se vê no direito de dizer como todos sob seus cuidados devem viver e se comportar. E não há condescendência para os que ousarem desafiá-lo, seja num duelo ou mesmo questionando seus dizeres.

Pois bem, se no começo Robyn quer ser igual ao pai – tanto nas responsabilidades como no direito àquilo que pensa serem as recompensas – bastará uma ida além dos muros da cidadela para se deparar com uma nova e completamente diversa realidade. Se os adultos fogem assustados e se recusam a refletir a respeito do que não conhecem, agindo na base da reação ao invés da busca pelo conhecimento, a criança experimentará algo novo ao se deparar com Mebh (voz da novata Eva Whittaker), uma “wolfwaker”: uma menina que, ao adormecer, deixa seu espírito correr solto no formato de um lobo. É versão legítima de uma “mulher que corre com os lobos”, tão autêntica que deixaria Clarissa Pinkola Estés orgulhosa. Porém, no primeiro contato, as duas aparecem uma para a outra como inimigas. No confronto, Mebh acaba mordendo Robyn. E, com isso, selando o destino daquela que fará a diferença em sua vida.

O conflito central da trama é muito bem estruturado. A mãe de Mebh, que assim como a filha também é uma wolfwalker, foi capturada pelo Lorde Protetor quando estava na forma de um lobo. A menina não sabe, e chora preocupada à espera do retorno materno, ao mesmo tempo em que se mostra valente – e no comando da alcateia da região – para enfrentar os homens que ameaçam sua sobrevivência. A questão é que Robyn só passa a acreditar – e defender – as wolfwalkers a partir do momento que as vê com os próprios olhos. Os demais, do líder ao mais simplório varredor de ruas, preferem seguir cegos ao que desconhecem, se refugiando em um “Senhor” autoritário que mais castiga do que concede. E, por isso, preferem atacar a dialogar, enfrentar em vez de conhecer, matar ao invés de conviver. Entre esses estará também Bill, que precisará sentir na pele, percebendo o que irá lhe acontecer – e também com a filha – para, enfim, decidir abrir espaço para a mudança e, com ela, iluminar suas decisões.

Realizado a partir de um estonteante traço em duas dimensões – a concepção do vilarejo e a disposição das árvores, por exemplo, resultam em conjuntos hipnotizantes – Wolfwakers ganha também pela condução da narrativa, sábia e precisa em alternar entre os pontos de vistas dos homens – brutos e desorientados – com os dos animais – vívidos e repletos de cores e sensações. O resultado é arrebatador. Partindo de um relato histórico e fazendo uso sem exagero de confrontos banais que adquirem proporções heroicas, o enredo enaltece tanto o aldeão mais comum – e, nesse caso, o fazendeiro que acaba preso é uma presença que não pode ser desconsiderada – como esmiúça as falhas e inseguranças daqueles que, ao invés de proteger e orientar, optam por destruir e calar. Por trás de tudo, tanto de um lado como do outro, está o medo. O que fazer – se amedrontar e desaparecer ou com ele aprender e crescer – é a lição que a história tanto insiste em apontar. Quem sabe, um dia, ela será aprendida.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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