Sinopse
Ainda um jovem adulto, Willy Wonka dá os primeiros passos para se tornar um grande chocolateiro. Ele deseja ter uma pequena loja para poder vender seus doces, mas para isso terá que contar com a ajuda de um homem diminuto chamado Oompa-Loompa e de outras pessoas que também querem alcançar seus sonhos.
Crítica
Antes de mais nada, importante deixar algo claro: o Willy Wonka vivido por Timothée Chalamet em Wonka não tem absolutamente nada a ver com aquele encarnado por Johnny Depp em A Fantástica Fábrica de Chocolate (2005) – quase duas décadas atrás – e, já que se está nesse caminho, é frágil também seu parentesco com o tipo levado às telas por Gene Wilder no clássico A Fantástica Fábrica de Chocolate (1971) – há mais de cinquenta anos! Importante também apontar essa separação temporal entre cada uma destas versões pois elas se comunicam com a época em que foram produzidas – e para tais públicos, afinal, foram pensadas. Em nenhuma das duas versões anteriores há, em seus elencos, intérpretes negros, enquanto que nessa mais recente tanto Paterson Joseph e Calah Lane, quanto Keegan-Michael Key, se destacam, alguns até com subtramas correndo em paralelo aos eventos principais. Este, no entanto, é apenas um exemplo. O filme feito por Paul King, como se percebe, é pensado para o século XXI, assumindo tanto seu lado onírico como fantasioso, e assim o fazendo com orgulho e toda a pompa e circunstância que se verifica necessária. Há de se imaginar que nem todos os estômagos – ou atenções – se mostrarão preparados para uma jornada tão desprovida de cinismo e afetações. Uns por compartilharem dessa mesma citada desconfiança – e, por isso mesmo, dela se ressentirem. Outros, enfim, por simplesmente não estarem prontos para algo tão simples – e, ainda assim, nostálgico e reverencial.
Tanto Depp, quanto Wilder, entregaram um Willy Wonka – cada um a seu modo, que fique claro – um tanto magoado com o mundo, dono de um ressentimento dirigido aos adultos e às crianças que com tamanho desprendimento abriam mão de suas infâncias em nome de razões e sentimentos contaminados pela maturidade. Essa, importante que fique claro, é também a leitura compartilhada por Roald Dahl, autor da obra original, que desenhou o personagem como um homem tomado pela desconfiança e por excentricidades que o mantinham como que numa torre de marfim, em sua fábrica de chocolates distante de tudo e todos. Pois bem, o roteiro agora escrito por King e Simon Farnaby (também ator, visto em cena como o guarda-noturno do zoológico) dá um passo atrás nessa busca pelas origens dessa figura tão particular. Porém, é curioso descobrir que os dois não estão particularmente interessados em investigar as razões e eventos que moldaram esta personalidade. O caminho que tomam é outro, mais seguro, sem assumir tantos riscos, mas não desprovido de atrativos e pontos de interesse. Sua forte ligação com o chocolate, como se poderia imaginar, segue como fio condutor. Assim como a importância dos laços familiares (sai o pai-carrasco de Christopher Plummer, como na versão de Tim Burton, e entra em cena uma mãe amorosa, vista rapidamente na pele de Sally Hawkins) e outros tipos inesquecíveis, como os hipnotizantes Oompa-Loompa (esse merece um parágrafo à parte).
Mas o foco dessa vez, enfim, é o tipo criado por Chalamet, que o faz com impressionante desenvoltura. Ator de talento comprovado desde que tomou público e crítica de assalto por seu desempenho hipnotizante no mezzo independente, mezzo alternativo Me Chame Pelo Seu Nome (2017), o ator de filmes como Querido Menino (2018) e Até os Ossos (2022) nunca tinha abraçado, até então, uma aposta assumidamente comercial – com a notável exceção, é claro, do épico espacial Duna (2021). Mas, nesse, ele não apenas contava com um elenco de renome ao seu lado (não assumiu a responsabilidade sozinho, portanto), como tinha a seu favor o fato de se tratar de uma epopeia conhecida, uma refilmagem, com fãs tanto do livro quanto do gênero. Com Wonka, no entanto, o desafio é quase que inteiramente seu – afinal, por mais que o personagem seja familiar, a roupagem que apresenta é completamente nova. Eis um Willy ingênuo, até mesmo infantil em algumas das suas pretensões, que é feito de bobo por vilões caricaturais (Olivia Colman, dando um show à parte – mais uma vez), que precisa contar com a ajuda de estranhos (entre eles, Jim Carter, de Downton Abbey, 2010-2015, e Natasha Rothwell, de The White Lotus, 2021) para realizar seus objetivos. Estes, como qualquer um pode prever, se resumem a ter sua própria loja – e fábrica – de chocolates. Mas quem desejaria impedi-lo de alcançar algo tão, aparentemente, banal?
Pois bem, este é o contexto no qual o enredo se insere: numa cidade tomada pelo monopólio dos chocolates, os três maiores comerciantes do produto – Matt Lucas (Alice no País das Maravilhas, 2010), Matthew Baynton (Além da Vida, 2010) e o citado Paterson Joseph (The Mosquito Coast, 2021) – dominam o monopólio das vendas, e estão dispostos a tudo, desde subornar policiais e autoridades religiosas até eliminar possíveis herdeiros, para manter as coisas do jeito como há muito estão. A chegada desse estrangeiro – Wonka, quem mais? – é uma ameaça aos seus negócios, ainda mais por ele ser tão criativo na manufatura de suas delícias. Encarcerado após assinar um contrato sem ler, o rapaz terá que contar com toda a sua inventividade para escapar e levar consigo aqueles em igual situação. Enquanto que, nesse percurso, se ocupará ainda em encontrar os verdadeiros pais da órfã Noodle (Calah Lane, de O Dia Vai Chegar, 2019) e resolver uma antiga pendência com um misterioso Oompa Loompa, um homenzinho minúsculo de pele laranja e cabelos verdes que ganha o rosto aristocrático de Hugh Grant. O ator que foi um dos maiores galãs de duas ou três décadas atrás revela uma impressionante disponibilidade de reinvenção ao oferecer a este universo uma criação tão singular e hipnotizante que poucos poderiam apontar alguém melhor do que ele para o papel.
Paul King e Simon Farnaby haviam demonstrado grande habilidade em combinar fantasia e irreverência em Paddington 2 (2017), e dessa vez retomam a parceria com uma renovada sintonia. Os números musicais são envolventes, não em excesso, felizmente, mas pontuando de forma precisa o andar dos acontecimentos, como comentários ilustrativos para cada conquista ou perigo que se anuncie. Da mesma forma, a dinâmica proposta, se longe de reinventar o óbvio, o abraça com carinho e respeito, percorrendo uma fórmula há muito testada, ao mesmo tempo em que lhe oferece um novo e contagiante vigor. Assim, Wonka se mostra um show à parte não apenas àqueles dispostos a se deparar com um olhar inédito sobre uma figura tão conhecida, mas também como um conto à parte nesta trajetória. Ao abrir espaço para outras aventuras do personagem, os laços com o que já fora estabelecido vão, aos poucos, se formando, sem pressa nem atropelo, mas, sim, com graça e magia. Talvez seja pouco, mas numa realidade tão rarefeita de ideias dignas de atenção, se mostra mais do que suficiente.
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