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A intertextualidade surge mais abertamente no cinema a partir dos anos 1950/60, sobretudo quando floresce o conceito de Cinefilia e a Nouvelle Vague francesa sistematiza a alusão aos filmes que a antecederam, tratando-os como elementos referenciais de função narrativa/afetiva, aliás, como nenhum outro movimento/vanguarda anterior. A partir disso, esse diálogo foi se sofisticando pela variedade, com obras mencionando outras descaradamente ou, às vezes, apenas pegando emprestadas as suas marcas e atmosferas. X: A Marca da Morte é um desses filmes que não existiriam (ao menos não como tal) sem toda uma tradição prévia. A começar pela forma como se filia reverencialmente ao slasher, subgênero do horror caracterizado por vilões utilizando ferramentas cortantes e corpos jovens sendo brutalizados. Ambientado em 1979, o longa-metragem dirigido por Ti West tem como protagonista Maxine (Mia Goth), aspirante a estrela do mundo pornográfico – indústria então prestes a crescer com a iminência do surgimento do home vídeo (e isso é dito). Parte de uma pequena trupe, ela chega a uma propriedade antecipadamente alugada para rodar um filme x-rated. Fazenda isolada e decrépita + sexualidade latente + proprietários caipiras desconhecidos + sem autoridade + lago com jacarés = aceno direto de e para os fãs do subgênero. Sim, pois são todos elementos clássicos do slasher ali reunidos.
X: A Marca da Morte é dividido em duas partes de tons bastante distintos. Na primeira, diga-se de passagem, a melhor delas, há a construção de uma ótima atmosfera de expectativa. Em meio à preparação do terreno para uma carnificina anunciada desde a primeira cena – basicamente, todo o enredo é um grande flashback –, Ti West exibe vários sinais da intertextualidade, ou seja, do quanto vai beber nas fontes férteis de sua referência. Uma delas é Psicose (1960), filme de Alfred Hitchcock citado como um dos favoritos do personagem do diretor com ambições artísticas, aquele que está empenhado em fazer um “pornô de qualidade”. Mais à frente, quando a matança inicia, o surgimento do carro parcialmente submerso no lago é uma maneira criativa de diversificar o aceno à obra-prima do bom e velho Hitch, agora com algo do filme se manifestando no tecido narrativo. Portanto, a intertextualidade tem camadas e modos distintos de ser. Outra delas é reapropriação de um lugar-comum dos slasher: o furor sexual como indício de quem vai morrer. Mesmo os dois personagens que não fazem sexo acabam morrendo brutalmente. Mas, o que muda aqui é a motivação dos vilões. Sai o puro suco do moralismo caipira abstrato e entra a repressão sexual potencializada pelo discurso messiânico dos religiosos que contribuem para essa repressão. O roteiro assinado por West pontua que essa violência tem uma fonte.
A segunda parte de X: A Marca da Morte é a chacina propriamente dita. Mas, antes de falar sobre ela, é bom ponderar a respeito da curiosa figura dos anfitriões assassinos. Pearl (Mia Goth) e Howard (Stephen Ure) são pessoas isoladas, presas emocionalmente num longínquo tempo de glórias. Porém, para além desse aspecto que ajuda a contextualizar a sanha assassina, está uma opção estética de Ti West: a maquiagem claramente falsa que transforma dois atores relativamente jovens em idosos caquéticos. Essa escolha faz parte de um movimento aparentemente deliberado rumo ao artificial, uma piscadela para o público quanto à natureza puramente cinematográfica do que está assistindo – não são poucos os demais instantes em que a trama solicita desligar a descrença e aderir a artifícios. Quando os velhinhos entram em ação, a história mergulha numa espiral de mortes brutais mais ou menos previsíveis até que sobre apenas a final girl – tropo narrativo famoso nas produções de terror, a sobrevivente que enfrenta os malfeitores por último e que (geralmente) resta para contar a história. Então, as adesões aos modelos consagrados por outros filmes se dão dentro de uma nova camada de intertextualidade, com a tradição servindo de fonte de alimentação e inspiração afetiva. Quanto às mortes escrachadas, não se trata, portanto, de “se” elas acontecerão, mas de “quando” e “como”.
Ao gesticular abertamente para o público do slasher com filiações tão claras às convenções do subgênero, Ti West não parece preocupado com o fator previsibilidade. Depois que o primeiro homicídio acontece, o longa-metragem se apoia simplesmente na construção do aspecto gráfico das mortes, perdendo um pouco o interesse pela atmosfera de suspense que tinha traçado um painel tão interessante e rico em sua primeira metade. Saem as brincadeiras com a suposta clandestinidade dos filmes pornográficos, com as intenções artísticas do ciumento cineasta iniciante, com os chavões atrelados aos intérpretes das produções para consumo adulto, com a estereotipia dos vilões quase caricaturais e até mesmo com a textura da imagem, e entra uma sequência de eliminações selvagens dos forasteiros ligados ao cinema. Entre essas mortes, há algumas filmadas com engenhosidade e toques de crueldade muito bem calculados – como a senhora esfaqueando alguém até que a faca emperre numa vértebra. Há outras que são praticamente chistes com determinadas recorrências do terror – como alguém que evidentemente não deveria colocar os olhos nos buracos da parede de um estábulo. Mas, no geral, essa carnificina um tanto quanto repetitiva (breve isolamento do personagem prestes a morrer + conclusão com toques de nonsense) serve o quanto pesa justamente a sua intertextualidade, cujo saldo é a comoção provocada por meio do compartilhamento da familiaridade com os pilares do slasher.
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