Crítica
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Sinopse
Um lugar de intersecção entre culturas populares e a chamada cultura pop para situar as profundas raízes do pife.
Crítica
Em Xingu Cariri Caruaru Carioca o músico Carlos Malta faz um passeio profundo pelas origens de sua expressão artística. Especializado em instrumentos de sopro, sobretudo a flauta, ele percorre o Brasil como que para estabelecer uma genealogia, mostrando desde as fábulas que circundam o patrimônio sonoro dos indígenas até a importância dos mestres nordestinos que o influenciaram direta ou indiretamente. Nas tribos do Alto Xingu, precisamente numa Kuikuro, Malta toma contato com a dimensão mais rústica dessa busca. Em meio à escuta de lendas, segundo as quais a melodia teria vindo do rio como presente da natureza, o protagonista do documentário dirigido por Beth Formaggini testemunha cerimônias repletas de ritmo, em que os homens tocam artefatos com fins de celebração ou prenúncio de guerra. Nesse segmento há uma sobressalente beleza imagética, já que a diretora consegue ilustrar muito bem a sonoridade com as formas e cores inerentes ao povo da reserva.
Saindo da aldeia, Xingu Cariri Caruaru Carioca ganha um caráter expositivo e informativo, deixando um pouco de lado a poesia que surgia vez ou outra na interação com os Kuikuro. Não por acaso, desse momento em diante Carlos Malta ganha o primeiro plano, virando, de fato, peça fundamental ao desenrolar do longa-metragem. Ele conversa com o herdeiro de um mestre do pífano (ou pife) no Ceará, que relembra velhas histórias, evoca grandes nomes de outrora e reforça a sensação de herança que a narrativa utiliza como fio condutor. Embora os interlocutores de Malta sejam, no mais das vezes, pessoas já idosas, que agem como ponte entre o passado e o presente, a diretora Beth Formaggini faz questão de sempre deflagrar a presença de uma nova geração, ou seja, de apresentar o futuro da arte do instrumento de sopro incrustado na cultura e no imaginário de boa parte dos brasileiros. Bonitas as cenas em que filmes antigos dos irmãos Ancieto são projetados para seus herdeiros.
Dando sequência à viagem afetivo-musical, Carlos Malta vai ter com João do Pife, em Pernambuco. Nesse instante, Xingu Cariri Caruaru Carioca se debruça, ainda que de forma apressada, sobre o legado do artífice, da manufatura que transforma o pedaço de madeira ordinário num instrumento do qual saem notas que ajudam a construir identidade. O cortejo pela famosa feira de Caruaru, ocasião em que Carlos Malta lidera uma turma animada de musicistas locais, é filmada por Beth Formaggini prioritariamente do ponto de vista dos feirantes e dos demais expositores então contagiados pela alegria que se desprende dos pífanos, das zabumbas e dos outros instrumentos que os acompanham. A parada imprescindível em Monteiro, no sertão da Paraíba, para encontrar Dona Isabel Marques da Silva, conhecida como “Zabé da Loca”, é outra das passagens que aliam ternura e relevo histórico, devido ao carinho evidente entre os personagens e ao peso deles à arte do pífano.
O encerramento, no Rio de Janeiro, partindo da nascente do rio Carioca, na Floresta da Tijuca, e chegando à sua foz, na praia do Flamengo, funciona como uma celebração do objetivo alcançado, que acrescenta à narrativa somente algo no plano simbólico. O filme de Beth Formaggini desempenha uma função vital, a de preservar bens imateriais, registrando um aspecto importante e pouco observado num âmbito mais amplo, fazendo brotar as raízes populares do erudito. Carlos Malta, que além de protagonista é responsável pelo argumento original, portanto coautor inequívoco do documentário, homenageia e reverencia aqueles que o precederam, cuja atuação possibilitou o surgimento e a posterior calcificação do pífano como elemento da cultura nacional, em suas andanças por um Brasil profundamente musical. A despeito das inconstâncias, da perda ocasional de oportunidades para transcender o próprio percurso e estabelecer um lirismo maior, Xingu Cariri Caruaru Carioca é pertinente por garimpar os fragmentos de uma história que ecoa, felizmente, nos dias de hoje.
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