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Crítica


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Sinopse

Em um Líbano pacífico, numa fazenda localizada no Vale do Kadisha, moram Yara e sua avó. Elas levam rotinas leves enquanto fazem a manutenção do território e desfrutam da bucólica paisagem rural. Quando Elias, um jovem andarilho, decide descansar por um tempo na vila, Yara acaba se tornando amiga dele. Com o passar dos dias, os dois engatam um amor de verão.

Crítica

Em Yara, sobressai o tom documental da câmera que perscruta o cotidiano da protagonista Yara (Michelle Wehbe). O procedimento, por si, deflagra a intenção do cineasta Abbas Fahdel de depurar os artifícios em prol de um registro praticamente franciscano. Não há, também, aposta em conflitos que porventura façam a trama evoluir tradicionalmente. Isso, nem quando o forasteiro Elias (Elias Freifer) começa a visitar regularmente a jovem que mora próxima à avó numa região geograficamente singular do Líbano. Embora haja manifestações esparsas de estranhamento masculino – vindas de vizinhos, comerciantes e amigos – quanto à presença insólita de quem passa a cortejar a moradora local, o distúrbio não chega a ganhar os holofotes principais, permanecendo como traço orgânico da sociedade patriarcal que aparentemente vela pela integridade feminina, o fazendo como recurso para garantir o controle sobre o corpo alheio. Importante, aqui, é a relação espacial.

O realizador fornece tempo para nos tornarmos íntimos do Vale do Kadisha, no norte do país médio-oriental. Seja nas tomadas de transição ou nos instantes em que os personagens se movimentam, as atenções são voltadas à forma como o cenário determina interações, as dos humanos com o meio ambiente e as interpessoais. Yara não é centralizado numa menina inocente que precisa apreender a levantar depois de cair, mas numa mulher em fase de crescimento que regularmente faz valer a sua força, longe dos ditames religiosos e sociais prevalentes, por exemplo, nas grandes cidades. Essa resistência orgânica pode ser vista, em medida distinta, na maneira como a avó interpretada por Mary Alkady vence continuamente o terreno acidentado, mesmo tendo problemas de locomoção oriundos da idade avançada. As duas representantes do sexo feminino estão ali, nesse lugar praticamente inóspito, vivenciando relativa liberdade diante de demandas naturais.

Distante da culpa alimentada pela religiosidade, Yara aproveita os momentos com Elias, ousando aproximar-se dele fisicamente, demonstrando frequentemente estar apaixonada pelo rapaz que fala em morar na Austrália. Abbas Fahdel insistentemente aponta a câmera para os animais que circundam essa história de amor desenvolvida sem alardes, especialmente a fim de asseverar o elo ontológico que entrelaça espécies. Embora em certas passagens incorra numa reiteração contraproducente, fruto, inclusive, da vontade constantemente manifestada de nos permitir observações demoradas, Yara tem um modo bastante peculiar de engendrar o espectador na narrativa, recorrendo ao realismo para travestir a ficção de "verdade", não por simples opção estilística, mas para privilegiar a documentação das especificidades de um lugar em vias de extinção, abandonado por moradores que deixaram para trás lembranças e vivências ao evadir às metrópoles.

Nesse percurso insólito, há o desprendimento de uma bem-vinda sensação de amadorismo, intrínseca à narrativa absolutamente refratária ao emposto, cuja premissa é borrar as fronteiras entre instâncias do discurso cinematográfico. Mais que pontuar o amadurecimento de um relacionamento, as andanças de Yara e Elias ampliam a percepção do Vale do Kadisha, inclusive acerca do êxodo que transformou o local num refúgio tão belo quanto anacrônico. A presença ocasional do telefone celular do pretendente é o único elemento que ancora o enredo nos tempos atuais. Se excetuado tal componente, poderíamos dizer, tranquilamente, que Yara se passa numa era remota, em que a lida campesina se impõe como única possibilidade de subsistência. A captura do tempo estagnado, quase indeterminado, igualmente no que tange aos afetos, é um dos bons pontos desse filme que suaviza hostilidades com uma sensível contemplação da naturalidade do amar e do viver ali.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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