Crítica
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Crítica
A imagem que deflagra a predominância da crueldade onde o recém-chegado Sanjuro (Toshirô Mifune) vai desempenhar a função de fiel da balança é o cachorro transitando com uma mão humana na boca. Apenas com esse vislumbre principiado num plano aberto e que depois ganha a perspectiva aproximada, Akira Kurosawa consegue fazer uma apresentação curta e forte do tipo de atmosfera que aguarda o protagonista. O controle da cidade é dividido entre dois cruéis pretensos mandatários. Ninguém é visto impunemente nas ruas, toda e qualquer presença humana expõe perigo. Desde o início a excepcional trilha sonora a cargo de Masaru Satô ajuda a criar as tonalidades dramáticas da trama centralizada no forasteiro que leiloa sua força de trabalho, neste caso a habilidade com a espada, para quem pagar melhor. Yojimbo: O Guarda Costas é um chambara – tipo de cinema oriundo do teatro tradicional japonês permeado por confrontos de sabre – que não esconde a influência do faroeste, esse gênero tipicamente norte-americano cujos protagonistas são os cowboys.
Aliás, é curioso Kurosawa exibir tal inspiração, principalmente no que tange ao desenho da localidade com características geográficas singulares. Assim como os lugarejos do Velho Oeste, aqui há uma grande avenida margeada por casas e estabelecimentos comerciais, praticamente isolada num fim de mundo e inclinada a seguir regras estabelecidas pela imposição. Há, portanto, uma retroalimentação, já que o cineasta japonês busca componentes no western para fazer clássicos como este e Os Sete Samurais (1954), por exemplo, e posteriormente serve de base a outros bangue-bangues. Por Um Punhado de Dólares (1964) é basicamente uma refilmagem não autorizada de Yojimbo: O Guarda Costas, este filme no qual Sanjuro barganha engenhosamente com os lados da contenda que parece não ter fim, a não ser com a aniquilação de um ou de ambos. Outro sintoma dessa bagagem assimilada é a capacidade de síntese da composição imagética.
É muito comum em Yojimbo: O Guarda Costas que num mesmo quadro coexistam duas ou até mesmo três intenções. Quando Sanjuro incita pela primeira vez a batalha campal, abortando sua participação quando não existe mais possibilidade de voltar atrás, Kurosawa demonstra sua excelência à construção de recortes poderosos ao mostrar em contra-plongeè o protagonista regozijando-se da esperteza de seu estratagema na torre de vigilância da localidade. A imagem conta, ainda, na borda inferior, com capangas antagônicos de espadas em riste hesitando para efetivar a carnificina. Outro instante sintomático dessa habilidade para condensar por meio da estrutura das tomadas é a chegada de Sanjuro em busca do amigo capturado. No primeiro plano estão os bandidos de guarda, os pés do homem dependurado e, lá no fundo, com uma profundidade de campo suficiente para o reconhecimento, o protagonista ameaçador que ensaia seu ataque.
Yojimbo: O Guarda Costas tem uma interpretação brilhante de Toshirô Mifune. Sanjuro é um tipo tão enigmático que se tornou matriz. Entre outros, o Homem Sem Nome que Clint Eastwood interpretou em diversos faroestes lhe deve muito. De passado e intenções nebulosas, esse sujeito entende o mecanismo da batalha e visa lucrar com as intrigas em curso, a priori não empenhando qualquer carga emocional. Tudo muda quando lhe é apresentada a situação do camponês que teve a esposa raptada em virtude de uma dívida de jogo. Essa tragédia familiar o mobiliza para além da questão financeira, até então a única dinâmica capaz de fazer-lhe arriscar a própria vida em função de algo. Somando isso com sua atitude diante do jovem que ele viu se apartar dos seus no início do filme, dá para intuir que num passado nunca mencionado possa ter acontecido alguma coisa que tenha o afastado brutalmente dos parentes. A competência de fomentar esse extracampo, ou seja, aquilo não visto e, neste caso, sequer mencionado, confere ricas camadas à história e ao personagem.
Em Yojimbo: O Guarda Costas a agressividade determina quem governa. Pode mais quem menos tem piedade para acabar com o inimigo. Não à toa a mutilação que Sanjuro comete tão logo chegue é um cartão de visitas necessário para ele ser cortejado com somas exorbitantes. Num mundo de samurais, guerreiros orientados por códigos de honra cartesianos e bem específicos, o que acontece por ali é também um desenho da desonra, com o dinheiro falando mais alto do que as convicções. Outro indício da degradação em curso é o personagem de Tatsuya Nakadai. Ele é entendido como alguém odioso tanto pelas atitudes insensíveis, quanto, e, sobretudo, por deixar a espada de lado e atacar orgulhosamente com um revólver, agindo à distância, negando as tradições. Inclusive ele acaba servindo como uma espécie de arauto da obsolescência de uma Era prestes a ruir. Mesmo que sobreviva como mercenário, o protagonista, ao contrário desse vilão marcante e deliberadamente caricatural, tem princípios, colocando-se a serviço de quem paga mais, mas se mantendo sensível a dor alheia.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 9 |
Bianca Zasso | 10 |
Chico Fireman | 8 |
MÉDIA | 9 |
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