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Sinopse

Beshay é um coletor de lixo que decide sair do confinamento de uma colônia de leprosos pela primeira vez e embarca em uma jornada ao Egito para procurar sua família. Ele viaja com seu burro e seu aprendiz órfão ao longo do Nilo e, pela primeira vez, fica cara a cara com a maldição de ser um estranho.

Crítica

O protagonista de Yomeddine: Em Busca de Um Lar, como explicita desnecessariamente o subtítulo brasileiro, é um sujeito à procura de raízes, metaforicamente, de uma casa na qual habitar pleno de suas origens. Beshay (Rady Gamal) mora há praticamente 30 anos numa colônia de leprosos no interior do Egito. Após a morte de sua esposa portadora de doença mental, ele decide empreender uma viagem para encontrar a família que o deixou no local ainda criança. O cineasta A.B. Shawky desenha aqui a insatisfação desse homem. Uma vez privado do, supostamente, único elo afetivo a lhe manter aferrado ao lugar em que passou boa parte da vida, ele reúne as poucas posses e começa a deslocar-se para, enfim, conhecer o mundo. Há, já nessa espécie de prólogo, um acúmulo, artificialmente disposto, de situações possivelmente dramáticas, uma vez que, além do citado, o homem subsiste trabalhando num lixão, catando restos e convivendo com dejetos de outrem.

Yomeddine: Em Busca de Um Lar tem um personagem principal que carrega fisicamente marcas, cicatrizes que o tornam um alvo fácil aos olhares preconceituosos das pessoas que atravessam o seu caminho. Ao invés de burilar o que escapa aos olhos, ou seja, as motivações profundas e os dramas que obviamente perpassam a existência conturbada de Beshay, o realizador cai na armadilha por ele próprio colocada como vil, encarando a jornada no que ela tem de mais superficial e evidente. Obama (Ahmed Abdelhafiz), o acompanhante de viagem, é órfão e, portanto, também tido como um pária. As ligações explícitas se acumulam ao longo da narrativa, sendo a base do desenvolvimento costurado por uma série de percalços, cuja urdidura soa bem postiça. É como se o roteiro distribuísse matematicamente problemas ao longo do trajeto da dupla, com isso intentando inflar os obstáculos, tornando a missão uma sucessão mal arranjada de exemplos de contratempos.

Uma das qualidades de Yomeddine: Em Busca de Um Lar, e que advém, especialmente, da estrutura de road movie, é permitir contato com um Egito longe das paisagens que ilustram os cartões postais. Beshay e Obama passam por cidades depauperadas, cruzam a existência de gente tão miserável, material e existencialmente, quanto eles. Exatamente por esse contexto que a realidade se encarrega de fornecer, soa exagerada a forma como A.B. Shawky açoita os dois personagens com várias ocorrências pontuais. A morte de um companheiro querido; a prisão por atentado ao pudor quando, na verdade, o que estava em jogo era a saúde de alguém; os olhares discriminatórios num trem apinhado de gente; os ladrões disfarçados de amigos de estrada; tudo isso é articulado esquematicamente. É estabelecido um crescendo tortuoso de melancolia que, constantemente, e de maneira paradoxal, prepara o terreno ao final conciliatório que forja uma esperança baseada na superação.

O encerramento de Yomeddine: Em Busca de Um Lar traz uma mensagem, no mínimo, questionável. Beshay sente falta da família, se pergunta sobre os motivos que levaram o pai a “esquecê-lo” na colônia de leprosos, e isso alimenta a amargura da viagem. Os medos que sobrevém à possibilidade de, finalmente, encontrar os seus são orgânicos e bem colocados como prelúdio do clímax. Porém, o diálogo com o genitor, a explicação – que o filme endossa e sustenta como preceito – da pretensa nobreza de isolar quem é diferente visando protege-lo de uma sociedade incapaz de conviver com diferenças, bate como uma resolução canhestra e moralmente torpe. A estrada está pavimentada para um porvir sem tantos pensamentos nebulosos, os considerados párias entendem a “necessidade” de amparar-se para sobreviver a um entorno hostil e o retiro é entendido como o verdadeiro lar. Esse conjunto, mais que apontar à felicidade, sublinha uma visão maniqueísta e resignada.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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