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Sinopse

O assassinato real de um político liberal, cometido como se fosse um acidente, é retratado no caso Lambrakis. Fato acontecido na Grécia no início da década de 1960, a investigação sobre a morte do político foi escandalosamente encoberta por uma rede de corrupção e ilegalidade na polícia e no exército.

Crítica

Antes de qualquer coisa, é alarmante e triste que a trama de Z, tido justamente como um dos maiores filmes políticos da História, relate algo pertinente à atualidade. O cineasta Costa-Gavras baseou-se no caso Lambrakis, ocorrido na Grécia nos anos 60, em que uma rede de corrupção e ilegalidade tentou acobertar a conspiração à morte de um político progressista. A ação é cinematograficamente transposta à França. Yves Montand interpreta um deputado de ideias liberais, prestes a fazer um comício entendido como potencialmente subversivo pelas autoridades militares. O roteiro é preciso e mordaz, a começar pela forma como demonstra o pensamento oficial que relaciona movimentos de esquerda a doenças, às quais o conservadorismo seria uma espécie de anticorpo. Artimanhas de bastidores buscam impossibilitar a manifestação do homem apto a promover mudanças sociais significativas. O realizador apresenta os conluios, apontando incisivamente o dedo condenatório aos verdadeiros culpados pelo cerceamento da liberdade de expressão que predomina na ocasião.

O silenciamento é a arma dos covardes, parece dizer ininterruptamente o realizador que observa a sociedade com lente de aumento, sobretudo, expondo a promiscuidade entre setores reacionários da realidade francesa. Os eventos populares são registrados com um sentido de urgência visto, igualmente, nos diálogos certeiros.  Gradativamente, as conversas deflagram um complô patrocinado pelo Estado para garantir a manutenção do status quo. Uma cena condensa bem o desalento expressado pelo longa, por carregar um peso dramático pessoal e coletivo em semelhante medida. Quando chega ao hospital para acompanhar a explanação médica acerca da saúde de seu marido brutalmente atacado em praça pública, Hélene (Irene Papas), em meio ao pesar, se depara com a junta de milicos que ouve tudo atentamente, porém munida de intenções antagônicas. É um bando de corvos esperando para saber se o sujeito sobreviverá para contesta-los e contradizer autos oficiais. O travelling denota o avanço da mulher. A reconfiguração espacial é sintomática da afronta.

O que está em jogo em Z é uma denúncia orquestrada milimetricamente do ponto de vista cinematográfico. Até mesmo os flashbacks desempenham uma função cortante. O processo se apoia em depoimentos contrastantes do acontecido. De um lado, militares e seus comparsas mencionam tudo como um acidente provocado por dois rapazes bêbados. Costa-Gavras faz questão de encenar a mentira, exatamente para que entendamos a sua violência. Mais adiante, a versão contrária, que confirma o assassinato político, é detalhada por novos ângulos que remontam ao outrora imediato. Esse choque imagético ajuda a construir a densidade narrativa de um longa-metragem que transborda inconformismo e coragem. Além disso, o painel montado paulatinamente é amplo e robusto, abarcando todas as esferas envolvidas, da situação à oposição, passando pela imprensa ávida por estampar as notícias frescas antes dos concorrentes. De acordo com tal visão, não há ideologia jornalística prevalente à lógica do furo. Senso assim, o idealismo é diluído na avidez por obliterar os colegas, desnudando um cenário vil.

Assistir à Z hoje em dia é constatar o caráter cíclico (ou seria permanente?) de determinadas conjunturas sócio-políticas. Com precisão cirúrgica, o grego Costa-Gavras lança luz sobre a podridão de um sistema hábil e tacanhamente edificado para proteger seus agentes e perpetuar uma posição única e elitista diante do mundo. É difícil fazer justiça quando boa parte de seus instrumentos legais está nas mãos dos mandas-chuvas, daqueles que forçam a assimilação de ideologias por meio de recursos escusos, quando não de intimidações e da consolidação de pactos nefastos. O cineasta é arguto o suficiente para, partindo de um caso verídico, estabelecer uma minuciosa autópsia das estruturas de poder, direcionando sua ferocidade aos militares, que então cuidavam dos rumos da França, mas não restringindo apenas a eles a vilania. O sistema é completamente avesso a contestações e diálogo. Se no Brasil ainda perguntamos “quem matou Marielle?”, conferir um filme como este nos dá a clara noção de que a aversão dos influentes à verdade é pandêmica e não necessariamente nova.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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