Crítica
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Sinopse
Um homem atinge notoriedade pela capacidade de imitar qualquer pessoa. Zelig mimetiza literalmente os trejeitos, os sotaques, o fenótipo e até a cor da pele de seus interlocutores. Sua habilidade camaleônica chama a atenção de uma médica que decide analisa-lo.
Crítica
Quem é Leonard Zelig? O protagonista de Zelig, um dos melhores filmes de Woody Allen, é todos, a não ser ele próprio. Vítima de um distúrbio em princípio inclassificável, o sujeito assume a personalidade e as características físicas de seus interlocutores. Fruto dos efervescentes anos 1920, nos quais o espetáculo começava a se afirmar como uma das grandes forças norte-americanas, Zelig (Allen) logo vira interesse midiático. As rádios tocam marchinhas dançantes que aludem ao “homem-lagarto”, apelido que aproxima sua extrema e patológica necessidade de identificação com a proteção natural do réptil que se adapta ao meio a fim de sobreviver. Mesmo sem compreendê-lo, as pessoas o idolatram como uma espécie de herói.
A doutora Eudora Fletcher (Mia Farrow) empreende uma verdadeira cruzada para tratar Zelig enquanto paciente psiquiátrico. Seus esforços não são propriamente samaritanos, pois visam prestígio acadêmico e profissional. Assim, haveria alguma diferença, que não de ordem proporcional, entre a conduta da mulher que investe para obter reconhecimento em seu meio e o homem que se metamorfoseia no próximo, também em busca de aceitação? No fundo, Zelig apenas expressa de maneira superlativa um anseio bastante comum, justamente este de ser amado, de ser acolhido nas mais diversas instâncias, de ter a aquiescência plena e irrestrita do outro. Paradoxalmente, esse tipo de comportamento asfixia a individualidade, ou seja, cada vez que o personagem de Woody Allen se transforma em alguém, anula a si próprio, perdendo-se no emaranhado de personalidades alheias.
Zelig é um mockumentary, o mais radical falso documentário da carreira de Woody Allen, ele que já havia atuado na vanguarda do gênero ao escrever e dirigir Um Assaltante Bem Trapalhão (1969). É impressionante como filmagens e fotografias datadas realmente dos anos em que a história ocorre se (con)fundem com as recriações ficcionais. Mérito da técnica, sobretudo do trabalho fotográfico de Gordon Willis. Vemos Zelig interagir com personalidades tais como Adolf Hitler, sem que o procedimento soe falso. Tal artifício, um dos grandes responsáveis pela sensação de verossimilhança documental, está solidamente ancorado num roteiro que se vale de entrevistas e do típico narrador onisciente, entre outros expedientes que ajudam a borrar as fronteiras entre documentário e ficção. Além disso, o texto é carregado da pegada cômica característica de Allen, perceptível mesmo quando o drama do protagonista está em evidência.
Assim como outros filmes de Woody Allen, Zelig possui observações que vão além da simples pontuação da trajetória de seus personagens. A maneira como universaliza o drama do protagonista, mostrando seu comportamento como exacerbação de algo que acomete a muitos em maior ou menor grau; a forma como apresenta as reações da sociedade que vampiriza a tragédia reconhecida apenas no outro; a observação irônica, ainda que discreta, de como o cinema pode auxiliar na pasteurização da nossa percepção – vide as versões ficcionais que Hollywood teria criado para contar a história de Leonard Zelig, etc. Woody Allen, cujo trabalho comumente – e de maneira muitas vezes equivocada – é celebrado apenas por sua criatividade textual, pelas tiradas espirituosas, faz um mockumentary de rara eficiência por seu poder de mimese, que resvala na “verdade” em virtude do conjunto, fundamentando os processos formais no conteúdo, não o contrário.
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