Crítica
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Crítica
No documentário Zimba (2021), a ordem é a desconstrução. Diante da tarefa de evocar a trajetória e a relevância de Zbigniew Ziembinski no teatro brasileiro, o diretor Joel Pizzini escapa às principais armadilhas da elegia biográfica. As entrevistas têm o som dissociado da imagem, e sobreposto a fragmentos de arquivo. Falas diferentes se entrecruzam, entrevistas vão e voltam na linha do tempo. Atrizes dirigidas pelo dramaturgo, como Nathalia Timberg e Nicette Bruno, retornam aos palcos para relembrar o trabalho do polonês e evocar a estrutura dos espetáculos de antigamente. Ao invés de organizar o roteiro do nascimento à morte, a montagem efetua o caminho contrário, do funeral em 1978 a uma foto da infância. Deste modo, resgata a memória do protagonista da maneira mais frutífera possível: uma vez superada a responsabilidade de mencionar a morte e as honrarias, pode enfim mergulhar em sua jornada. Em outras palavras, caminhamos rumo à vida de Zimba, ao invés de seu desaparecimento. O procedimento soa justo: para representar uma pessoa que rompeu regras e introduziu novas formas de atuar e encenar, oferece-se um filme igualmente disruptivo.
O principal mérito desta abordagem diz respeito à compreensão de seu personagem enquanto ponto de partida, mas não um ponto final. Através da presença metafórica do artista, o cineasta discute a evolução do teatro brasileiro, sua afronta aos costumes, as especificidades da atuação no cinema e na televisão. Pizzini foge à obrigação de investigar sua vida pessoal e elencar as principais peças e passagens de vida, preferindo se concentrar numa jornada metalinguística em que a arte reflete sobre sua própria linguagem, além de seus limites e potencialidades. Discute-se as diferenças das plateias de televisão e teatro, além do papel que cada uma delas ocupa no imaginário brasileiro. O belo roteiro propõe uma leitura cruzada: a evolução de Ziembinski se torna indissociável da história do nosso teatro. Ao longo da narrativa, eles evoluem juntos, sem que o protagonista seja elevado a um patamar superior àquele de sua arte. Em oposição a tantas homenagens dedicadas a rasgar elogios, este documentário se mostra mais preocupado em compreender a influência do polonês na arte brasileira. A direção assume a postura de pesquisador, ao invés de fã.
Em paralelo, Zimba traz uma montagem excepcional pela capacidade de combinar criativamente materiais de arquivo, entrevistas, encenações, gravações contemporâneas e trechos de filmes da época. Quando o ator menciona sua lembrança de minas de sal, a imagens busca referências de minas em ficções. A vida familiar também se cola a trechos não referentes de produções brasileiras. Já as sequências de obras polonesas, entre filmes e projetos para a televisão, são apresentadas sem o uso de legendas, de modo que o espectador distante da língua polonesa se atente somente ao trabalho corporal de Ziembinski. O resgate de peças clássicas de Nelson Rodrigues, encenadas sobre palcos contemporâneos para o documentário, constituem uma ótima maneira de navegar entre as fronteiras do cinema e do teatro: por um lado, o espetáculo existe apenas para a filmagem cinematográfica, sem a existência de uma plateia no local. Por outro lado, preserva o estilo do dramaturgo e a disposição cênica de sua versão original. A montadora Idê Lacreta proporciona um fluxo criativo: evitando a somatória de elementos pré-disponíveis, a cadência se encontra em permanente estado de criação própria. Pizzini e Ziembinski formam uma inesperada parceria.
Por fim, o cineasta propõe uma incursão no território intermediário entre as biografias acadêmicas, do tipo linear e evocativo, e os documentários abstratos, de pouco alcance junto ao público médio. Zimba aproxima-se de uma construção passível de apreciação tanto pelas plateias populares quanto pela crítica especializada. Embora as esperadas entrevistas, gravações dos anos 1950-1970 e fragmentos políticos estejam presentes, eles surpreendem pela maneira como são apresentados em termos de ritmo, ordem e associação entre imagens. O espectador conhecerá algumas passagens relevantes da trajetória do polonês, no entanto, terá sobretudo uma investigação do encontro entre culturas e da evolução das artes cênicas. O documentário se descola da aparência de aula ou palestra sobre seu tema, propondo uma reflexão ampla a respeito de movimentos históricos, sem ditar o certo nem o errado, sem dizer a quem louvar ou detestar. Utilizando os conceitos de teóricos que estabelecem a diferenciação entre informação e conhecimento, pode-se dizer que este filme parte de informações em busca de conhecimento. Os fatos jamais constituem um fim em si mesmos, e a produção possui valor autônomo para além do resgate de uma personalidade adorada.
Filme visto no 26º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, em abril de 2021.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Bruno Carmelo | 8 |
Leonardo Ribeiro | 7 |
Alysson Oliveira | 8 |
MÉDIA | 7.7 |
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