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10 filmes brasileiros que queremos ver nos cinemas em 2020

Publicado por
Bruno Carmelo

Quando as salas de cinema reabrirem pelo país inteiro – o que esperamos acontecer de modo responsável, quando as aglomerações não representarem risco aos cidadãos -, as grandes produções de Hollywood já têm sua presença garantida. As maiores produtoras norte-americanas definiram suas novas datas de lançamento, começando no fim de junho (caso da Disney) e se concentrando no segundo semestre.

A preocupação diz respeito ao cinema brasileiro, que já lutava para encontrar o devido espaço no circuito comercial, e agora corre o risco de brigar por oportunidades ainda menores face à concorrência. Alguns lançamentos devem buscar diretamente o mercado de streaming, mas a redação do Papo de Cinema resolveu listar 10 grandes filmes nacionais que torcemos muito para ver na tela grande do cinema, ainda este ano (antes de seguir o caminho do VoD, televisão e afins). Confira nossa seleção, por ordem alfabética:

 

A Febre (2019)
por Robledo Milani

Maya Da-Rin é filha da cineasta Sandra Werneck, e trabalhou como assistente de direção de alguns dos maiores sucessos da mãe, como Amores Possíveis (2001) e Cazuza: O Tempo Não Pára (2004). Agora, estreia como realizadora com o drama A Febre, que teve sua première mundial no Festival de Locarno, na Suíça – onde foi premiado como Melhor Ator (Regis Myrupu) e com o Troféu da Crítica – e desde então já passou por uma dezena de eventos similares no Brasil e no exterior.

Por aqui, se consagrou como o grande vencedor do 52º Festival de Brasília, tendo sido agraciado com os candangos de Melhor Filme, Direção, Ator, Fotografia e Som. Em cena, o índio urbano Justino (Myrupu) precisa continuar trabalhando, apesar de todos os sintomas do seu corpo lhe pedirem para parar, ao mesmo tempo em que a filha se prepara para sair de casa em busca de uma melhor oportunidade de vida. Um filme duro, de emoções contidas, mas que fala direto sobre muitos dos problemas enfrentados hoje pelo nosso país. Leia a nossa crítica.

 

Breve Miragem de Sol (2019)
por Marcelo Müller

A não ser como nota de rodapé, mencionar o fato de Eryk Rocha ser filho de Glauber Rocha não se faz mais necessário. Isso porque o jovem cineasta vem construindo uma carreira sólida o suficiente para distancia-lo de uma posição meramente apendicular. Neste Breve Miragem do Sol (2019), exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e no Festival do Rio, ambos no ano de 2019, ele cria uma deambulação com toques existencialistas por um Rio de Janeiro que, de certa forma, cabe no interior do táxi de Paulo (Fabrício Boliveira).

Perambulando pela Cidade Maravilhosa em busca de sustento, ele encontra jovens reacionários sem a mínima consciência social ou empatia, se depara com realidades ora distintas, ora muito próximas da sua, além de encontrar uma nova possibilidade de amor. Paulo é negro, pertence ao estrato social comumente apontado como classe média-baixa, ganha o mínimo para sobreviver e ainda se debate com a falta que o filho lhe faz. Sempre próximo ao protagonista, utilizando o som e o extracampo para amplificar a ressonância das observações, Eryk cria uma narrativa pautada por vários tipos de claustrofobia. Leia a nossa crítica.

 

Filho de Boi (2019)
por Bruno Carmelo

Em 2015, a diretora Paula Gomes levou aos cinemas um dos mais belos filmes brasileiros daquele ano: Jonas e o Circo Sem Lona, documentário sobre um garotinho que cria seu circo improvisado e passa a investir na arte por vocação, enquanto negligencia os estudos. O resultado é de uma poesia e um humanismo comoventes. Por isso, desde que foi anunciado o desenvolvimento de Filho de Boi, novo longa-metragem da Plano 3 Filmes, nossa curiosidade não para de crescer, até porque os criadores trabalham novamente com a infância e o circo, agora pelo prisma da ficção.

Desta vez, a direção fica por conta de Haroldo Borges e Ernesto Molinero, enquanto Paula Gomes produz a obra que estreou no Festival de Busan, na Coreia do Sul, mas ainda não foi exibida nos cinemas brasileiros. Na trama, João (João Pedro Dias) é um pré-adolescente que sonha em fugir do sertão da Bahia devido ao relacionamento problemático com o pai. Quando um circo passa pela cidade, o garoto decide que é a hora de partir.

 

Indianara (2019)
por Marcelo Müller

O Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo. Não ajuda ter na presidência da república atualmente um mandatário que simplesmente está pouco se lixando para políticas inclusivas ou que, ao menos, garantam o resguardo da dignidade de quem não é branco, homem, heterossexual e cristão. Por isso Indianara (2018), documentário dirigido a quatro mãos por Aude Chevalier-Beaumel e Marcelo Barbosa, chega num momento tão importante. Aliás, infelizmente ainda não chegou.

Por mais que tenha feito seu debute numa mostra paralela do Festival de Cannes, na França, que tenha sido exibido em eventos brasileiros importantes como o Olhar de Cinema, ainda não há sinal desse documentário no nosso circuito comercial – isso enquanto ele ganhará em breve lançamento em DVD na França. O cenário político-social pode, em partes, explicar essa demora, bem como a impressionante recusa do Festival do Rio de exibir este filme que se passa na Cidade Maravilhosa e que tem como protagonista uma de suas figuras mais importantes, a militante trans Indianara Siqueira. Leia a nossa crítica.

 

Marighella (2019)
por Bruno Carmelo

O primeiro longa-metragem dirigido por Wagner Moura teve sua primeira exibição mundial no Festival de Berlim 2019, em sessões de gala lotadas. A resposta foi bastante positiva à grande produção histórica que resgata a figura do guerrilheiro Carlos Marighella, que lutou contra a ditadura militar até ser assassinado pelo governo. O projeto traz atores populares (Seu Jorge, Adriana Esteves, Bruno Gagliasso, Humberto Carrão) dentro de um formato acessível ao grande público, em certa afinidade com o cinema de ação de Tropa de Elite. Por isso, possui forte potencial de público no circuito comercial.

Desde então, no entanto, tem enfrentado diversos obstáculos institucionais e administrativos. O diretor afirmou sofrer censura para o lançamento, ou pelo menos um atraso deliberado da Ancine para autorizar as devidas verbas de distribuição. A produção chegou a ganhar data de lançamento pelo menos duas vezes, uma delas cancelada por pressões políticas e tensões nos bastidores, e a segunda, devido à pandemia de coronavírus. Especula-se que Marighella também seja exibido em formato minissérie na televisão, mas antes disso, ficamos na torcida para vê-lo nas telas grandes assim que a reabertura dos cinemas o permitir.

 

Notícias do Fim do Mundo (2018)
por Marcelo Müller

Especialmente no período da cinematografia brasileira que ficou conhecido como “Marginal” – alguns preferem o acadêmico “Cinema de Invenção” –, era comuns narrativas anárquicas conjuradas a partir de anseios libertários. Notícias do Fim do Mundo, do veteraníssimo Rosemberg Cariry, vem resgatar esse espírito indomável outrora tão importante para projetar as angústias de uma geração inconformada. Se trata de um brado exasperado contra várias camadas de nossa contemporaneidade claudicante. A trama dá conta de um ator que, após ser contratado para entreter o embaixador de um país fictício, se transforma num poderoso e messiânico arauto da insatisfação popular com a subserviência às potências extrativistas e colonialistas.

Nesse caldo saboroso, às vezes calculadamente indigesto – como convêm às obras que flertam corajosamente com o risco –, Everaldo Pontes se sobressai como o protagonista que alude a Antonio Conselheiro, uma encarnação da indignação com as mazelas cotidianas. Exibido no Cine Ceará de 2019, infelizmente deve ter dificuldades para chegar ao circuito comercial, um âmbito cada vez mais arredio a experiências provocadoras como esta. Leia a nossa crítica.

 

Pacarrete (2019)
por Francisco Russo

Seria fácil exaltar Pacarrete apenas pelo trabalho de Marcélia Cartaxo, que é soberbo!, mas o filme entrega mais que isto. Com direção de arte e figurino precisos, monta-se um cenário do interior do Ceará que, também, é elemento essencial da narrativa. Com um desfecho potente e doloroso, o filme transita entre o cartunesco e o trágico a partir de sua personagem, simplesmente apaixonante. Com um elenco de apoio afiadíssimo, ainda entrega sequências de tirar o fôlego, como que ressignifica uma música do porte de “We Don’t Need Another Hero” dentro do imaginário cinematográfico. Pacarrete é isso, um filme para rir com gosto e também chorar, na toada de uma atriz que se entrega à personagem de corpo e alma. Leia a nossa crítica.

 

Raia 4 (2019)
por Robledo Milani

Depois de ter passado por festivais na Colômbia, Panamá, Uruguai e China, o longa gaúcho Raia 4 foi selecionado para a mostra competitiva principal do Festival de Gramado de 2019, de onde saiu com os kikitos de Melhor Fotografia e de Melhor Filme Brasileiro pelo Júri da Crítica. Escrito e dirigido por Emiliano Cunha, premiado curta-metragista aqui estreando no formato mais longo, o drama esportivo acompanha Amanda, uma adolescente competitiva que precisa lidar com a disputa nas piscinas – ela é nadadora e participa de competições acirradas – e também com o amadurecer, ao lado de outros jovens como ela e de uma família que, apesar de presente, nem sempre está ao lado para o que a menina realmente precisa.

O próprio Cunha é atleta e nadou por muitos anos, e essa experiência se percebe na tela, em uma história na qual os silêncios possuem igual peso, se não maior, do que os diálogos. Amizade feminina, descobertas sexuais, prazer e mentiras vão ocupando a trama, até não haver espaço para mais nada, além de um profundo mergulho. Leia a nossa crítica.

 

Rodantes (2019)
por Robledo Milani

Exibido fora de concurso no último Festival de Brasília, Rodantes é o trabalho de estreia na ficção de Leandro Lara, que até então só havia trabalhado com documentários e produções para televisão, além de ter atuado também como produtor e diretor de fotografia. E ele já parte para um projeto ambicioso, contando com três protagonistas vivendo situações-limite no interior do Brasil. Tatiane, vivida com garra por Caroline Abras, é a que acaba tendo mais destaque em sua jornada após ter fugido de casa e tendo começado a trabalhar como prostituta de beira de estrada.

Odair (o jovem Jonathan Well), por sua vez, faz do caminho que escolheu trilhar um processo de descoberta do próprio corpo e dos desejos que o rodeiam, ao passo que Henry (Felix Smith), um imigrante haitiano, precisa lidar com uma tragédia vivida em solo brasileiro. Cada um tem uma trajetória a seguir, e elas se cruzando ou não, são exemplos que se repetem à exaustão por todos os cantos de um país muitas vezes cansado de si mesmo. Nunca parados, mas compartilhando de um mesmo sentimento de falta de pertencimento.

 

Sertânia (2020)
por Bruno Carmelo

Dentro da fortíssima seleção da Mostra de Tiradentes em janeiro de 2020, um filme provocou um impacto considerável no público local e na crítica especializada: Sertânia, novo projeto de Geraldo Sarno, veterano mais conhecido pelo clássico Viramundo (1965). Profundamente interessado na ideia de uma identidade brasileira, que pauta toda a sua filmografia, ele aplica o olhar tradicionalmente sociológico ao filme de cangaço, e imagina a trajetória do cangaceiro Antão (Vertin Moura), mortalmente ferido pelo grupo opositor e relembrando sua vida enquanto agoniza no sertão.

As imagens e a narrativa resgatam uma forma de ousadia que o cinema brasileiro não produzia desde o Cinema Novo: as luzes são voluntariamente estouradas para refletir o sol do Nordeste, a narrativa faz ida e vindas improváveis, aposta em metáforas, em câmeras giratórias e cenas tragicômicas, além de uma dúzia de composições de tirar o fôlego, a exemplo da imagem acima. No final, Sarno ata as pontas do Cinema Novo com o cinema contemporâneo e digital, proporcionando uma belíssima fábula de conscientização política pelo Brasil profundo. Leia a nossa crítica.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.

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