“Eu tô com uma vontade danada de tirar a roupa”. Foi assim que Edgard Navarro definiu seu estado de espírito quando subiu ao palco do Cine Vila Rica na noite de quinta-feira, dia 6, para receber a homenagem da 14ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto – das mãos do ex-ministro, atual secretário de cultura de Belo Horizonte, e seu amigo de longa data, Juca Ferreira.
Entre discursos, mesas, debates, seminários e apresentações de seus filmes, como o clássico Super Outro (1989) e o recente Abaixo a Gravidade (2017), a onipresença do veterano do cinema marginal é o grande destaque desta edição do evento, contaminando com a subversão escatológica, provocadora e iconoclasta de sua filmografia a pompa sisuda de um festival voltado para a discussão do patrimônio e da preservação audiovisual.
O choque entre esses dois universos aparentemente opostos, no entanto, não incomoda o cineasta baiano, que completa 70 anos em 2019. Pelo contrário. Na roda de conversa realizada na sexta-feira, Navarro admitiu que ser reconhecido em uma mostra que “leva o cinema tão a sério” é prova de que “eu não era apenas porra louca. Era muito mais que isso, sem nunca deixar de sê-lo”, filosofou.
Sem perder o espírito provocador do jovem que filmou o ator Bertrand Duarte – literalmente – cagando e jogando as fezes em um motorista em Super Outro, o diretor celebrou o fato de que obras como O Rei do Cagaço (1977) sejam consideradas patrimônio. Afinal, “cultura começa com cu. A gente não precisa, mas ‘eles’ precisam, sim, de merda na cara, tiro na cara. Minha espingarda não é de um modelo normal: o tiro sai pela cú-latra”, disparou, reforçando muito bem as sílabas que mais lhe interessam.
Munido dessa incansável metralhadora verbal e filosófica, Navarro citou de Nietzsche a Machado de Assis, Caetano Veloso a Gabriel Diniz (“que Deus o tenha”) para defender uma “arte que não se explica” e o cinema como balbúrdia e subversão. “Recuso o título de cineasta. Acho pedante, arrogante. Sou cinemêiro, com acento circunflexo no e”, argumentou o ex-engenheiro civil, que afirmou já ter trabalhado dois meses na Odebrecht e ficado “doidão” com arroz macrobiótico.
Com essa postura desprendida, no meio do caminho entre o hedonismo e o deboísmo, o homenageado confessou já ter desistido de um cinema popular ou de amplo diálogo com o público. O que lhe interessa agora é produzir obras que o façam feliz. “A maior fortuna de todas é ser alegre”, postulou. Mas a felicidade é possível no Brasil, e no mundo, de hoje, diante do apocalipse now e dos ataques à cultura e à arte? À pergunta do público, Navarro ofereceu sua última filosofia marginal: “O melhor lugar do poço é o fundo. É onde se pode tomar impulso para subir”. A escatologia tem muito a nos ensinar.
A 14ª CineOP segue até a próxima segunda, dia 10. A programação completa pode ser conferida no www.cineop.com.br. O crítico viajou a convite do evento.