23ª Mostra de Tiradentes :: Cabeça de Nêgo traz cinema adolescente politizado e de qualidade

Publicado por
Bruno Carmelo

O último dia da Mostra Aurora, a principal seção competitiva da Mostra de Cinema de Tiradentes, trouxe dois filmes praticamente opostos em suas escolhas cinematográficas. De um lado, um filme adolescente vibrante sobre a ocupação de uma escola, e do outro lado, uma obra contemplativa, adaptada de um romance do século XIX.

Cabeça de Nêgo (2020) constituiu o ponto alto da noite. O primeiro filme do diretor Déo Cardoso reúne um caldeirão de conflitos raciais, sociais e econômicos na escola onde o jovem Saulo (Lucas Limeira) estuda. Quando é alvo de racismo em sala de aula, o jovem se recusa a sair do estabelecimento até se fazer justiça, o que gera um inconveniente de grandes proporções à diretoria e aos políticos locais em ano de eleições.

 

Cabeça de Nêgo

 

O projeto se constrói a partir de um ritmo e uma linguagem adolescentes, mas ousa trazer questionamentos cada vez mais complexos, enquanto sugere o poder do conhecimento (em especial, sobre cultura negra, feminina e LGBT), da arte e da resistência. A conclusão apoteótica levou a plateia do Cine-Tenda ao delírio, aplaudindo os criadores durante longos minutos, de pé. Esta seria uma boa escolha para os prêmios da 23ª edição, caso o júri opte por uma comunicação mais acessível com o público jovem. Leia a nossa crítica.

Fechando a mostra Aurora, Natureza Morta (2020), dirigido por Clarissa Ramalho, conclui a trilogia literária iniciada pelo cineasta Ricardo Miranda, falecido em 2014, após Djalioh (2011) e Paixão e Virtude (2014). Na trama, adaptada do romance “A Carne”, uma mulher culta do século XIX reflete sobre a pressão para se casar, enquanto experimenta suas próprias paixões.

 

Natureza Morta

 

O filme evoca um amor literal e abstrato, representado o desejo sexual através de frutas e pequenos objetos dentro de um casarão. Trata-se de uma forma solene de filmar, em ritmo vagaroso e verborrágico. A escolha exigente surpreendeu ao ser programada no fim da competição, enquanto talvez se destacasse mais nos dias anteriores. Leia a nossa crítica.

Em paralelo, a Mostra Olhos Livres teve sua última sessão com o belo Yãmiyhex: As Mulheres-Espírito (2020), dirigido pelos cineastas indígenas Sueli Maxacali e Isael Maxacali. Eles retratam uma série de rituais na Aldeia Verde, em Minas Gerais, quando as anciãs decidem que é hora de deixar o local.

 

Yãmiyhex: As Mulheres-Espírito

 

A narrativa surpreendeu o público local ao justapor uma série de rituais e produções culturais-artísticas-religiosas distantes da compreensão dos brancos. Algumas pessoas riam, outras abandonavam a sessão, outras conversavam sem parar. De qualquer modo, este incômodo diante de uma cultura diferente da nossa constitui um primeiro passo para conhecê-la e, espera-se, respeitá-la. Seria importante termos mais projetos sobre comunidades indígenas dirigidas pelas próprias. Leia a nossa crítica.

O dia 1 de fevereiro marca o fim da 23ª edição, quando serão conhecidos os vencedores na cerimônia de encerramento. Além deles, ainda serão exibidos os longas-metragens inéditos Cavalo (2019), de Rafhael Barbosa e Werner Salles, e A Torre (2019), de Sérgio Borges, além do premiado Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou (2019), de Bárbara Paz.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.

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