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Realizar um festival de cinema não é tarefa simples, ainda mais dentro de uma conjuntura comum a quase todos eles, ou seja, a do financiamento que enfrenta, concomitantemente, os oscilantes humores das administrações eleitas e do mercado econômico. O Cine Ceará chega em 2019 à sua 29ª edição, seguindo uma trajetória ininterrupta de valorização do cinema ibero-americano e da produção local. A safra cearense vive uma espécie de primavera. Isso, por conta da grande visibilidade em certames nacionais e internacionais. Basta lembrar que Pacarrete (2019), vencedor de oito kikitos no último Festival de Gramado é cearense. Também é bom recordar que Karim Aïnouz, ganhador do principal prêmio da Mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes 2019 com A Vida Invisível (2019), é igualmente desta terra. E Wolney Oliveira, além de realizador, o diretor executivo do Cine Ceará, com quem conversamos à beira da piscina no hotel sede, celebra esse momento especial: “2019 é o ano da prata casa aqui no Cine Ceará e o evento é grande parte responsável por isso. Sempre atuamos na formação, na produção e difusão. Resolvemos prestigiar as produções locais não por proteção política, mas porque a safra realmente é boa”.

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Os desafios para realizar um evento desse porte são enormes e em 2019 a situação foi agravada pela crise político-econômica pela qual o Brasil passa. “Como eu já sabia que este ano não seria fácil, até porque 2018 também não foi, jogamos a data do evento para o final de agosto. Venho há muito tempo trabalhando a Lei Federal de Incentivo à Cultura, principalmente com empresas do Ceará. Estamos numa situação de divisão política”. Wolney mencionou no bate-papo as particularidades do Cine Ceará nessa circunstância complexa dos festivais, especialmente a inclusão humanista de uma população frequentemente marginalizada socialmente: “Uma coisa é o Festival de Gramado, numa cidade que não tem moradores de rua, na qual o evento acontece num lugar sem qualquer preocupação com segurança. Aqui o evento se desenvolve num cinema lindíssimo, muito mais bonito que o de Gramado, por sinal, mas no coração da cidade, com uma grande população de rua. São 272 moradores na praça. Alguns deles foram contratados para trabalhar no festival, inclusive. Fizemos uma programação na praça especial para eles”. 

Mas para Wolney, que acredita que em 2019 o Cine Ceará tem uma de duas melhores seleções dos últimos anos, a diversidade é fundamental. “Houve uma inovação nesse Cine Ceará, proposta pela Margarita Hernadez, a programadora, de ver com muito carinho e atenção os filmes dirigidos por mulheres. Nos comprometemos no sentido de que, no mínimo, 30% dos filmes exibidos seriam dirigidos por elas. No fim das contas, o número foi superior a 40%”, disse ele. Diante da instabilidade com a qual a classe audiovisual recebe as diretrizes do governo Jair Bolsonaro, com frequentes cortes em projetos culturais e uma controversa política de austeridade, Wolney é mais cauteloso e diz que o diálogo é necessário: “A indústria audiovisual brasileira cresceu 8,5% em 2018, mais do que o PIB da China. Ela emprega 340 mil pessoas fixas. Desde o ano passado existe uma guerra entre os diretores da Ancine e isso não tem a ver com a atual administração federal. Não adianta culpar o novo governo, pois ele está aí, foi eleito democraticamente. Sou da opinião de que deve haver diálogo, mostrar que somos uma indústria pujante e que o audiovisual brasileiro não vende apenas diversão, vende também camisa, sapato, cerveja, ou seja, não é à toa que nos Estados Unidos o audiovisual é a terceira indústria em geração de receitas. Precisamos dialogar e ir conversando com o governo atual, tentando que as coisas se reacomodem rapidamente”.   

E, na contramão do clima de instabilidade que permeia as conversas de bastidor entre os produtores, Wolney está confiante de que a trigésima edição do Cine Ceará irá acontecer: “O trigésimo Cine Ceará já tem data. Será de 12 a 19 de setembro. Isso está definido”. Perguntado se há algum risco de o evento, mesmo com calendário fechado, não ocorrer, o diretor foi enfático: ”Acho difícil que a 30º edição do Cine Ceará não aconteça. É o único evento do estado que conta com repercussão nacional e internacional. O governador se comprometeu a duplicar o orçamento do audiovisual, então acreditamos na palavra dele. Mas, em relação ao governo federal, seu peso financeiro é maior do que o estadual. As mudanças feitas recentemente não atingem o Cine Ceará, pelo contrário. Se implementado o que foi anunciado, vai até melhorar. Projetos fora do eixo Rio-São Paulo podem, a partir de agora, captar até R$ 2 milhões. E nós nunca captamos esse valor. Se o governo federal cobrar das estatais uma descentralização, estará fazendo algo bem melhor para a gente, porque captar grana, tanto na Lei Rouanet quanto no mecenato estadual não está fácil. Nossa sorte é que temos grandes parceiros, mas a economia está patinando”.

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Da nossa parte resta torcer para que o Cine Ceará tenha vida longa, continuando a contribuir decisivamente com a alimentação de uma cena cinematográfica local e vibrante, como a cearense, e que a festa de três décadas, programada para 2020, seja tão bonita, além de mercadológica e artisticamente relevante quanto a que estamos vendo em 2019.

 

(O repórter viajou ao 29º Cine Ceará a convite do evento)

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