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Pode parecer uma cena comum, mas não é. Diante de uma tela gigantesca, pelo menos 650 pessoas se reuniam para assistir a filmes como Vermelha (2019), drama de baixo orçamento que brinca com os códigos do cinema caseiro, e Fendas (2019), produção sobre uma pesquisadora de física quântica. Em qual circunstância, dentro do nosso rarefeito circuito comercial, estes filmes nacionais seriam vistos por tantos espectadores ao mesmo tempo, de diversas faixas etárias, majoritariamente pessoas de baixa renda?

Esta situação se repetiu ao longo de toda a 6ª Mostra de Cinema de Gostoso, no Rio Grande do Norte. Centenas de pessoas se reuniam no cinema a céu aberto montado e desmontado diariamente na Praia do Maceió, assistindo gratuitamente a longas e curtas-metragens. Os diretores do festival, Eugênio Puppo e Matheus Sundfeld, têm travado a bela batalha de aproximar uma população sem acesso ao cinema a formas diferentes de linguagem, que possam ser ao mesmo tempo acessíveis e instigantes aos sentidos.

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Sete Anos em Maio, de Affonso Uchôa

O festival mobiliza toda a cadeia criativa do cinema: os jovens de São Miguel de Gostoso têm acesso a cursos que culminam na produção de seus próprios curtas-metragens, sob supervisão de um profissional, e depois prestigiam filmes que dificilmente seriam exibidos em cinemas próximos – a maioria dos títulos era inédito, incluindo Pacarrete (2019) e Casa (2019). Deste modo, forma-se tanto produtores quanto espectadores do audiovisual nacional.

Julgando pela qualidade dos curtas-metragens locais, a Mostra de Gostoso está formando uma geração bastante talentosa de diretores e técnicos de cinema. Filmes como Júlia Porrada (2019) e Ando me Perguntando (2019) revelam a tentativa de discutir questões sociais ambiciosas, e poderiam facilmente ser exibidos em outros festivais.

A mostra competitiva e paralela de curtas-metragens constituiu o ponto alto da sexta edição. Reunir títulos de altíssimo nível como Sete Anos em Maio (2019), Quebramar (2019), Plano Controle (2019), Marie (2019), Crua (2019) e Looping (2019) não é tarefa fácil, e reflete tanto a ousadia quanto o apurado senso estético dos curadores. Trata-se de filmes excelentes enquanto produção, linguagem e discurso.

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Bacurau, de Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho

Os longas-metragens foram diversos, indo do refinamento popular de Pacarrete (2019) ao tom confessional de Casa (2019), do terror de A Noite Amarela (2019) à catártica mistura de gêneros de Bacurau (2019). Talvez o senso comum pudesse sugerir que se trata de um grupo hermético de filmes, mas diante do número impressionante de espectadores, o preconceito se dissipa, reforçando a evidente apreciação dos habitantes locais pela arte e pela cultura.

Aos jornalistas presentes, restou a oportunidade preciosa de assistir aos filmes com os pés na areia, sob a luz da lua, escutando os comentários sinceros dos espectadores emocionados ou surpresos durante a sessão. Nesta sala de cinema um pouco mais clara do que as caixas fechadas dos cinemas comuns, e um pouco mais interativa do que a média das sessões, resgata-se a experiência lúdica do início do cinema, quando as projeções eram de fato populares, abertas a todos, e provocando risadas, suspiros, torcidas por um ou outro personagem. O fato que esta reação surja diante de produções tão sofisticadas constitui um mérito ainda maior. A Mostra de Gostoso termina por ocupar um espaço único, e fundamental, dentro do calendário de festivais de cinema brasileiros.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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