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O astro francês Alain Delon morreu neste domingo, 18, aos 88 anos, em sua residência em Douchy, na França. O anúncio foi feito pelos três filhos do artista, Alain Fabien, Anouchka e Anthony. Na nota enviada à imprensa, eles afirmaram que Delon “faleceu pacificamente em sua casa, rodeado pelos filhos e parentes. A família pede gentilmente que seu luto e privacidade sejam respeitados nesse momento extremo de dor”. Não foi especificada a causa da morte. Figura central do cinema francês em pelo menos cinco décadas, colaborador de mestres também em outros territórios europeus, Alain Delon era filho de um projecionista (que mais tarde chegou a dirigir filmes) e de uma assistente de farmácia que trabalhou na recepção de uma sala de cinema.

Quando tinha quatro anos de idade, o futuro membro da realeza do audiovisual francês foi confiado a uma família adotiva depois do divórcio dos pais. Mais tarde, com a morte desses tutores adotivos, ele foi devolvido aos pais biológicos que dividiram a sua custódia. Matriculado num internato católico, Delon se interessou por música. Seu comportamento na infância/adolescência é descrito como inquieto e indisciplinado, o que o levou a ser expulso do internato.

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SERVIÇO MILITAR E GUERRA

Alain Delon se juntou à Marinha Francesa quando tinha 17 anos, antecipando o seu engajamento ao serviço militar. Depois de ser pego roubando equipamentos do quartel, foi levado a escolher entre deixar a instituição ou estender seu vínculo por mais três/cinco anos. Acabou ficando e, durante a Guerra Franco-Indochina, lutou na Batalha de Dien Bien Phu em 1954. Como marinheiro de primeira classe, foi então designado para a companhia de proteção do arsenal de Saigon. Voltou à França em 1956, ressentido de que seus pais o deixaram ir à Indochina – o alistamento foi voluntário, mas era necessária a autorização de ambos. De volta à sua terra natal, trabalhou em diversas profissões, tais como porteiro, garçom e vendedor. Nessa época, conheceu a atriz Brigitte Auber, que havia feito Ladrão de Casaca (1955), de Alfred Hitchcock, e com ela engatou um relacionamento que mudaria o curso de sua vida. Com Brigitte foi ao Festival de Cannes de 1957 onde teve seu primeiro contato com o mundo do cinema. Chamou a atenção de muitos produtores por sua beleza.

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O COMEÇO NAS TELONAS

Recrutado por um representante do produtor norte-americano David O. Selznick, ele tinha a possibilidade de assinar um contrato de sete anos para fazer filmes em Hollywood, mas com a condição de aprender inglês. Voltou a Paris para estudar, mas a atriz Michèle Cordou, de quem se tornara amante, convenceu o seu marido, o diretor Yves Allégret, a contratá-lo para estrelar o filme Uma Tal Condessa (1957). Sem nenhuma formação como ator, Alain Delon teve ali o seu primeiro trabalho nas telonas, elas que seriam tão receptivas à sua beleza e ao seu talento. Ao debute seguiram Basta Ser Bonita (1958), Cristina (1958) e O Ponto Fraco das Mulheres (1959), este muito famoso na França, o que lhe alçou diretamente ao patamar de um dos principais astros jovens em ascensão do país.

GRANDES TRABALHOS NOS ANOS 1960 

O primeiro grande papel de Alain Delon nos cinemas foi no aclamado O Sol por Testemunha (1960), de René Clément, no qual interpretou de modo brilhante o ladino Tom Ripley, criação da escritora Patricia Highsmith que, aliás, era admiradora pública do trabalho do jovem astro francês. O filme foi um sucesso na França e também nos circuitos de arte dos países de língua inglesa. Em seguida, o ator protagonizou o ainda mais icônico Rocco e seus Irmãos (1960), de Luchino Visconti, considerado um dos paradigmas do cinema italiano – o longa-metragem se tornou referência quando assunto é “filmes sobre família”.

Um ano mais tarde, Delon fez sua estreia no palco na peça Tis Pity She’s a Whore, de John Ford (dramaturgo, não o cineasta norte-americano). Ele então contracenava com Romy Schneider e era novamente dirigido por Visconti. Voltando aos cinemas depois de galgar mais um degrau rumo a provar que era bem mais do que um rosto bonito, também protagonizou O Eclipse (1962), de Michelangelo Antonioni, O Leopardo (1963), reeditando a parceria com Visconti, Paris Está em Chamas? (1966), voltando a trabalhar com René Clément, O Samurai (1967), de Jean-Pierre Melville, e A Garota da Motocicleta (1968), de Jack Cardiff. Isso apenas para citar os seus trabalhos maiúsculos, pois foram vários os filmes dos quais participou nessa década prolífica.

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O Sol por Testemunha

FAMA INTERNACIONAL E CONTROVÉRSIAS

Ainda nos anos 1960, Alain Delon afirmava que gostaria de diversificar sua área de atuação e fazer filmes em Hollywood. Sua estreia nos Estados Unidos foi em A Marca de Um Erro (1965), do cineasta Ralph Nelson. Nas idas e vindas entre América e Europa, ele teve  a oportunidade de interpretar um rol enorme de personagens, sendo soldado, espadachim, cigano e chegando a assumir a capa, a espada e a máscara de Zorro numa produção internacional lançada em 1975. Mas, a verdade é que sua tentativa de ser uma estrela de primeira grandeza em Hollywood não foi tão bem-sucedida quanto ele gostaria. Seus trabalhos na América, ao menos, não foram equivalentes em importância duradora aos filmes realizados na Europa. Sua carreira nos anos 1980, 1990 e 2000 seria numerosa, mas sem o brilho espetacular alcançado nos anos 1960/70.

As principais controvérsias de Alain Delon tinham a ver com as suas posições políticas conservadoras. Ele se dizia um gaullista, explicando que foi criado “no espírito do General de Gaulle”. Apoiou o candidato de centro-direita Valéry Giscard d’Estaing na sua bem-sucedida campanha presidencial de 1974 e na sua malsucedida empreitada rumo à reeleição. Numa entrevista concedida em 2013, expressou simpatia pelos ideais do partido de extrema direita Frente Nacional, ficando marcado na opinião pública como um sujeito de posições retrógradas.

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Com Claudia Cardinale em “O Leopardo”

PRÊMIOS

Alain Delon foi três vezes indicado ao César de Melhor Ator (o Oscar do cinema francês): por Cidadão Klein (1977), A Morte de um Corrupto (1978) e Quartos Separados (1985), este pelo qual ganhou o seu único César. Foi indicado ao Globo de Ouro de 1964 como Ator Promissor por seu papel em O Leopardo. Ganhou os prêmios honorários máximos dos festivais de Cannes, Berlim, Locarno, Taormina, Marrakesh e Transilvânia, além de ser agraciado com a mesma honraria no David di Donatello (Itália) e no Golden Câmera (Alemanha).

BRIGAS FAMILIARES E MORTE (POR EUTANÁSIA?)

Em 2023, os três filhos apresentaram queixa-crime contra Hiromi Rollin, suposta companheira de Alain Delon por assédio psicológico, interceptação de correspondência, crueldade animal, violência intencional, confinamento ilegal e abuso de fraqueza. A acusada, por sua vez, negou ser companheira do astro, afirmando que teve relacionamentos íntimos com ele por mais de 30 anos, mas rechaçando veementemente todas as acusações. Em janeiro deste ano, Anthony foi alvo de uma queixa do pai após dar uma entrevista em que acusava a irmã, Anouchka, de manipular Delon em relação aos rumos da herança. Por sua vez, Anouchka acusou os irmãos de colocarem em risco a vida do patriarca e afirmou ter desejado levar seu pai para a Suíça para que ele pudesse continuar a ser tratado lá. Além dessas “tretas” de família, Alain Delon nunca reconheceu Christian Aaron Boulogne como seu herdeiro. O garoto era filho da cantora Nico e foi criado pela mãe de Delon.

Alain Delon sofreu um derrame em 2019. Em 2022, começou um tratamento experimental para cuidar de um linfoma. Numa entrevista em 2021, afirmou que estava decidido à recorrer à eutanásia assistida – prática legalizada na Suíça, país onde passou a morar. Na nota enviada à família para comunicar a morte do ator não foi confirmado o procedimento do suicídio assistido.

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Filmando “Rocco e Seus Irmãos”

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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