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Mais uma notícia preocupante chega da Agência Nacional do Cinema, a Ancine. Segundo matéria do Farofafá, da Carta Capital, a instituição vetou o direito de captação de recursos para o documentário O Presidente Improvável, sobre a trajetória de Fernando Henrique Cardoso. O filme era proposto pela Giros Filmes, cujo documentário Menino 23 (2016) se tornou elegível ao Oscar.
A decisão foi tomada pelo presidente substituto da agência, Mauro Gonçalves de Souza, junto ao diretor substituto Edilásio Barra. Os motivos apontados para o impedimento se revelam preocupantes, por partirem de um juízo de valor político e ideológico, ao invés de um parecer técnico. A justificativa critica o “notório aproveitamento político, às custas dos cofres públicos”, na “proximidade das eleições de 2022”.
O texto continua: “Se o Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade de leis que autorizavam a mera denominação de logradouros públicos com nomes de pessoas vivas, por vulneração do princípio de impessoalidade, me parece, sim, muito mais grave, e pelas mesmas razões, aprovar projeto com conteúdo político na obra em que se homenageia político vivo e ainda em atividade”.
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O raciocínio se revela problemático por diversos motivos. Primeiro, uma obra de arte não deve estar sujeita às mesmas regras aplicadas aos nomes de ruas. Segundo, não cabe à direção da Ancine determinar se o “aproveitamento político” de uma obra é válido ou não – sobretudo em se tratando dos mesmos nomes que acabam de aprovar a captação de recursos para Nem Tudo se Desfaz, filme de Josias Teófilo sobre a carreira de Jair Bolsonaro.
O terceiro motivo, e mais importante, se encontra na ideia de que mencionar um político numa obra, ou analisar a sua história, não equivale necessariamente a homenageá-lo – a leitura pode ser bastante crítica, a exemplo de tantos documentários de Michael Moore e Oliver Stone nos Estados Unidos, e Democracia em Vertigem (2019), Abismo Tropical (2019) e O Processo (2018) no Brasil, ou mesmo Não Vai Ter Golpe! (2019), para citar um exemplo de projeto de direita.
A decisão de permitir algumas obras de cunho político em detrimento de outras cuja linha desagrada ao governo constitui evidente gesto de censura. Normalmente, diante destes casos, os responsáveis repudiam o termo por tecnicamente não proibirem a realização da obra – O Presidente Improvável ainda pode ser realizado apenas com verbas privadas, a exemplo da ficção Lula, o Filho do Brasil (2009). No entanto, a estratégia de dificultar uma produção, ou privilegiar certas vertentes ideológicas, entra na própria definição do termo censura.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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