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Branca de Neve, a história de um filme (quase) sem imagens

Publicado por
Bruno Carmelo

Qualquer espectador conhece a história da Branca de Neve, retratada inúmeras vezes no cinema, seja pela Disney (Branca de Neve e os Sete Anões, 1937), seja em produções de terror (Floresta Negra, 1997), ação (Branca de Neve e o Caçador, 2012) e dramas contemporâneos (Branca Como a Neve, 2019). No entanto, poucos espectadores se lembram da polêmica despertada pela produção portuguesa Branca de Neve (2000), de João César Monteiro.
Para muitos, trata-se de um “filme sem imagens”, por ter a duração de 75 minutos quase inteiramente preenchida por uma tela preta, enquanto o som evoca os diálogos da peça homônima escrita pelo suíço Robert Walser. No entanto, a descrição não é correta: a projeção escura é interrompida por raros flashes de nuvens, além de algumas cenas na neve no início e no final. Além disso, a projeção negra constitui uma imagem por si própria, mesmo que não haja captação com atores.
De qualquer maneira, a experiência de se sentar diante de uma tela escura revoltou inúmeros espectadores, enquanto foi considerada uma provocação instigante para tantos outros. O longa-metragem foi selecionado no prestigioso Festival de Veneza, além de ser exibido na Mostra Internacional de São Paulo. Ele traz Maria do Carmo Rôlo como Branca de Neve, Diogo Dória como o Rei, Ana Brandão no papel da Rainha e Luís Miguel Cintra no papel do Caçador.
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As nuvens de Branca de Neve

Oficialmente, a estética pouco convencional se deve a uma escolha ousada de João César Monteiro, desejando reconstruir um texto famoso através de uma abordagem nova, capaz de solicitar a imaginação do espectador. Ele teria coberto a objetiva da câmera de propósito na hora de filmar. Rumores na época apontaram para a possibilidade de problemas técnicos, posteriormente assumidos enquanto escolha criativa.
Branca de Neve provocou um escândalo na indústria audiovisual portuguesa, dotada de fundos limitados para o fomento à produção. Diversos profissionais se indignaram com o fato de a obra ter recebido 650 mil euros do IPC (equivalente à Ancine portuguesa), além de 130 mil euros da RTP. O produtor alegou que os recursos públicos não implicavam em qualquer obrigação estética, e ironizou os detratores: “É um ótimo filme para invisuais”.
O produtor Paulo Branco aceitou devolver parte do dinheiro, e manteve as exibições em festivais e no circuito comercial. Não há informações sobre a bilheteria final de Branca de Neve. No Brasil, o longa-metragem recebeu críticas positivas. Segundo Tiago Mata Machado, na Folha de São Paulo, “O filme é um ato de fala contínuo em que o negro da tela não deixa de funcionar como uma subjetiva da própria personagem-título”. Na Contracampo, Ruy Gardnier afirmou: “O que ninguém entende é que Branca de Neve precisa ser preto. Não somente porque é um ato inocente e bom, mas principalmente porque é preciso recusar a imagem, porque é justamente a imagem que é a figura da culpabilidade”.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.

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