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A segunda mesa do BrPlot aconteceu nesta sexta-feira, 17, e teve como título Experiências Cênicas: Atrizes Roteiristas. A atividade contou com as participações de Alice Marcone, Karine Teles, Nathalia Cruz e Martha Nowill. Em pauta, a interseção entre as experiências dramáticas a partir das possibilidades da encenação e as ferramentas criativas para subsidiar o trabalho das autoras. Não são raros no cinema os casos de atrizes-roteiristas, especialmente depois de uma mudança de perspectiva hegemônica que enxergava as mulheres apenas à frente das câmeras como estrelas fadadas ao papel de musa. Com o passar do tempo, a ocupação dos espaços autorais por mulheres que também se destacavam atrás das câmeras acenou a uma mudança essencial de prisma. E essa atividade do BrLab 2023 vem colocar em relevo justamente as possibilidades artísticas desses processos criativos entrelaçados. Quais métodos e experiências que dizem respeito ao âmbito da interpretação podem contribuir para o processo da escrita de um roteiro, por exemplo? Entre as convidadas estavam mulheres de trajetórias distintas e foi exatamente essa diversidade de perfis e caminhos trilhados até ali que tornou a conversa (que teve praticamente duas horas de duração) um momento de reflexão de suma importância, contemplando uma das missões do BrLab, a de ajudar a pensar o nosso panorama audiovisual.

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Durante a apresentação da conversa integrante do BrPlot, foi informado que Leandra Leal, incialmente confirmada na programação, não pode se fazer presente por conta de problemas pessoais. “Quando começamos a pensar como seria essa mesa, imaginada justamente para ser esse lugar de encontro, onde ponderamos lugares, ferramentas e com conceitos (…) levamos em consideração assuntos que ainda não tinham sido abordados nesses anos todos de BrPlot. Identificamos o crescimento de atrizes-roteiristas e como essa experiência cênica interfere no processo de escrita”, disse Rafael Sampaio, diretor do BrLab, na abertura da atividade. Martha Nowill, escolhida também como mediadora do encontro, inaugurou as falas introdutórias: “Durante muito tempo lutei contra a minha personalidade autora-roteirista porque meu sonho de ser atriz era tão mítico, da juventude, do ventre materno, sei lá de onde veio, que achava que ninguém mais me chamaria para atuar se fosse uma boa roteirista”. Martha anunciou que propôs às colegas a leitura de um trecho de qualquer roteiro de suas autorias, até para começar a conversa misturando um pouco a escrita e a atuação. Alice trouxe uma cena da primeira temporada da série Manhãs de Setembro (2021). Karine leu um trecho da minissérie Os Últimos Dias de Gilda (2020). Por sua vez, Nathalia trouxe uma cena da primeira peça teatral musical que ela foi convidada a escrever, Imagine na Broadway, texto marcado por muita metalinguagem.

Como é ter a dupla personalidade atriz roteirista?
A pergunta acima foi proposta pela mediadora Martha Nowill para o início dos trabalhos depois desse exercício introdutório com a leitura das cenas. “Já me deparei, lendo para ensaiar, com cenas que escrevi e que me deixaram apavorada de fazer (como atriz). Quando escrevi não estava pensando como atriz, mas sim priorizando o contar a história (…) lembro de chegar à sala de ensaio e pensar ‘meu deus, como faço isso’. Atualmente tenho sentido a roteirista muito mais presente em mim o tempo todo (…) uma vontade de poder contribuir como atriz para entender em que lugar do arco dramático aquela cena está, por exemplo. Ter essa compreensão do ritmo e do lugar das coisas me ajuda como atriz”, disse Karine Teles. “A minha roteirista nasceu um pouco depois, primeiro me reconheci como atriz, mas o mercado me reconheceu antes como roteirista. Me tornei roteirista para escrever para a minha atriz (…) No Porta dos Fundos isso também acontecia no começo. Comecei a escrever para essa atriz, aí veio o dificultador de em algum momento ter de escrever para outros atores. Via meu texto na leitura semanal do Porta dos Fundos se desfazendo, pois tinha pensado ele para mim, tendo em vista a minha forma de falar, o jeito do meu caco entrar. É um processo apaixonante esse o de aprender a escrever para outras bocas e trejeitos. Nunca desligo a relação da roteirista e da atriz”, disse Nathalia Cruz.

Alice Marcone prosseguiu ao responder a boa provocação da mediadora. “Comecei como atriz no interior, fazendo curso de teatro, e meu foco na vida era esse. Na adolescência, tinha minhas webséries no Orkut (risos), mas queria ser escritora de literatura, nem era muito algo que habitava meu imaginário a existência de roteiristas (…) a minha bússola maior na hora de escrever e atuar é o desejo. O que a personagem quer? O que ela não sabe o que quer? O que ele nem imagina que vai querer? (…) melhorei muito como roteirista ao perceber esse lugar do desejo (…) como roteirista, só ganho sendo atriz, mas como atriz essa cabeça de roteirista às vezes não ajuda, pois perco a possibilidade muitas vezes de me surpreender em cena, porque fico achando que tenho de dar conta de um sentido específico”, disse Alice, citando ainda o quanto a formação em psicologia a ajuda como atriz e também roteirista. Enquanto propunha a próxima questão a ser debatida, Martha deu seu depoimento breve sobre essa relação tão complexa autora-atriz. “Muitas vezes escrevo por desespero de falar alguma coisa que ninguém me dá. Várias vezes escrevi para que eu atuasse. Num certo momento, me deparei com o desafio da prosódia, pois nem todos os textos têm de caber na minha boca (…) nessa hora é preciso a nossa atriz ou tem de ser muito esperta ou ficar quietinha para que a nossa roteirista consiga imprimir essas outras cores e tons, para que os personagens não falem todos do mesmo jeito”.

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Nathalia Cruz

O Processo Criativo
Nathalia começou falando da importância de escrever tentando encontra certa magia, um lugar em que a escrita é surpreendente à autora. Ela disse que foi estudando roteiro enquanto já estava trabalhando na área, mais especificamente como profissional contratada do humorístico Porta dos Fundos. Sempre divertida e com falas espirituosas, Nathalia ainda discorreu um pouco sobre a sua experiência como mulher negra nesse meio, principalmente relatando o momento de sua entrada na atividade, como foi importante a percepção, inclusive mercadológica, de que para ter roteiros diversos era preciso ter uma diversidade entre os roteiristas. Martha falou da relação entre roteiro e interpretação no sentido de estar aberto durante o processo criativo para “receber” certas coisas, para acessar lugares intuitivos e talvez até inconscientes tanto para a escritura de um roteiro quanto para a composição de uma personagem. Por sua vez, Karine destacou a observação e a empatia como ferramentas importantes para atrizes e roteiristas. Ela citou algo como uma antena ligada para captar experiências. Karine disse que seu processo parte de algo que ela tenha vontade de falar, se considerou caótica, afirmando que escreve sem pontuação, de um jeito bastante fluído e posteriormente arruma. Ela destacou o encontro entre as cenas como algo que a instiga. Por fim, Alice disse que seu processo começa geralmente escrevendo aos outros, afirmando que, especialmente por conta das dinâmicas das salas de roteiro, desenvolveu uma abordagem muito técnica do processo de escrita, destacando as belezas da coletividade de um ambiente em que existe troca entre as profissionais roteiristas.

Martha pegou o gancho de uma fala de Alice para tratar um pouco de um “confinamento em gavetas”. Ela citou que Alice e Nathalia, mulheres respectivamente transexual e negra, talvez sofram mais diretamente isso de ser contratadas quase sempre escrever sobre personagens trans e negras, mas que a limitação acaba atingindo muita gente. “O que acho contraproducente é esse pensamento das gavetas na hora da escalação. Se você escreve uma personagem e chama uma atriz parecida com essa personagem, você está perdendo uma oportunidade enorme de criar camadas de significado que você não consegue imaginar sozinho. Quando você escreve uma personagem, tem de contar que ela não é sua (…) acho essencial pensar no que vai acrescentar, não necessariamente no quer vai sublinhar o que já existe”, disse Karine, ainda citando que nos Estados Unidos há uma questão muito forte de direitos autorais envolvida nas possibilidades de os intérpretes mudarem certas coisas no roteiro na hora da atuação, pois eles podem reivindicar pagamento pela autoria de determinadas falar que acrescentaram à história.

“A minha bússola maior na hora de escrever e atuar é o desejo”, diz Alice Marcone

Escrever para quem? De que modos?
Dentro de um ambiente audiovisual tão diverso, as experiências com escrita podem ser muito heterodoxas. Desenvolver um projeto autoral de modo solitário certamente não impõe as mesmas barreiras e desafios de uma sala de roteiro colaborativa de série para streaming, cujo resultado tem de estar pronto em cerca de seis meses. A discussão seguiu por essas diferenças de formatações de escrita, ou seja, para quem se escreve e de que modo essa atividade acontece? Karine começou dizendo que nunca participou de uma sala de roteiro, mas que tem muito interesse nessa experiência, até porque afirmou ter dificuldade com a solidão da escrita. Nathalia prosseguiu citando as regras do streaming e dizendo que está cada vez mais difícil emplacar cenas lentas e contemplativas por conta dessas balizas, do que dizem os algoritmos e outras ferramentas que parametrizam audiência e retenção de atenção, como os estudos estatísticos. Karine retomou a palavra para dizer que esse panorama emplaca a necessidade da escrita, de ampliar o mercado e criar alternativas a toda essa formatação que tende a homogeneizar as coisas: “Penso muito nessas fórmulas que, obviamente, podem contribuir muito, mas toda teoria é registro de prática, não existe teoria pré-prática, ninguém aplica uma fórmula que nunca foi comprovada. E aí não existe espaço para experimentação, ou seja, para a testagem de algo que pode vir a se transformar numa nova fórmula a ser aplicada?”, concluiu.

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Alice Marcone

“Sou fissurada em cultura pop. A referência máxima do que quero fazer hoje é Jordan Peele, que é pop para caralho, que utiliza fórmulas com muita inventividade, subvertendo-as do jeito como somente ele pode fazer (…) temos um problema industrial que é ficar martelando nas mesmas fórmulas, tendo de reproduzir isso, mas enquanto artista que deseja falar com o público desesperadamente, até porque a tendência é que as pessoas não me escutem por ser quem sou, me deixem tentar dizer as coisas de uma forma que alcance o maior número de pessoas (…) vejo as fórmulas como instrumentos, mecanismos. Quando elas viram dogmas, imposição, regra, censura da novidade, temos um problema. Mas, quero atingir um público amplo, então as fórmulas podem ser uteis”, disse Alice. Por fim, as convidadas discorreram um pouco sobre personagens que desejam/pretendem escrever futuramente, citando possibilidades e anseios, e responderam alguns questionamentos oriundos da plateia, elucidando um pouco mais alguns tópicos abordados e aqui transcritos. E assim se encerrou a segunda mesa integrante do BrPlot, intitulada Experiências Cênicas: Atrizes Roteiristas, atividade que fez parte do BrLab 2023.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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