BrLab 2023 :: Tudo que rolou na mesa “O Colaborador na Telenovela Brasileira”

Publicado por
Marcelo Müller

A telenovela é uma verdadeira instituição no Brasil. Os folhetins televisivos entram na casa de milhões de aficionados diariamente ajudando, inclusive, a pautar assuntos debatidos no país. Por aqui, a força desse tipo de produto audiovisual é inegável. Nesta quarta-feira, 22, o BrLab 2023 promoveu um encontro para debater especificamente a atividade de quem escreve os capítulos dessa verdadeira paixão nacional. Intitulada O Colaborador na Telenovela Brasileira, a conversa riquíssima contou com as presenças de Aimar Labaki, Ceci Alves, Ecila Pedroso e Mario Viana, e teve a mediação de Valéria Pacheco Motta – representante da ABRA, a Associação Brasileira dos Autores Roteiristas, parceria do BrLab. Em discussão, as habilidades esperadas do roteirista-colaborador de telenovela, não restrito ao papel de dialoguista e que enfrenta diariamente cronogramas apertados, e a necessidade de trabalhar em larga escala, além disso seguindo orientações dos autores principais. Com a nova realidade de disseminação audiovisual imposta pelos streamings, será que há tanta diferença entre escrever uma novela para a TV aberta e trabalhar em prol de um programa veiculado nesses serviços lineares? A discussão foi muito boa e ajudou a elucidar diversos tópicos dessa incumbência um tanto quanto invisível publicamente porque elogios e críticas negativas são mais atribuídos ao autor principal.

Os processos dos colaboradores
“Tenho um currículo extenso de novela e teatro. Sempre falo que o colaborador é um fantasma, ele tende a encarnar as manias do chefe (…) às vezes o teu próximo chefe não gosta das mesmas coisas. O colaborador é, antes de mais nada, um dançarino que vai bailando conforme a música (…) é preciso se apossar da história, pegar um pedaço dela para você”, disse Mário. Ecila começou a sua fala destacando a necessidade de compreender a diversidade das equipes: “É importante para o colaborador vestir a camisa do autor (…) é preciso ter a mão do cabeça da novela, pois a novela é de fato dele. Já fui autora e colaboradora”. Ceci começou sua intervenção com reverência e bom humor, dizendo que se sentia meio oprimida, pois estava com grandes cabeças pensantes das telenovelas. “Ao trabalhar na novela Dona Beija me caiu a ficha de que enquanto colaboradores temos de esquecer a autoria para colocar a ferramentaria à disposição do autor. Isso pode soar meio tirânico, mas a rigor é algo super bonito e próprio da linguagem da telenovela (…) é bonito isso de emular a autoralidade do contratante, isso é difícil e muito gratificante”, completou Cecil, afirmando que a colaboração com os autores de telenovela é semelhante à ideia do jornalista, que é um vaso transparente pelo qual a notícia passaa até chegar ao leitor. “Saímos de um modelo, nem bem chegamos a outro e tentamos compreender a atual situação”, disse Aimar que aproveitou para contextualizar a nobre história da telenovela.

“A novela brasileira é melodrama, mas com uma capa de realidade, você está colado na realidade, de forma que acha que está vendo arte, mas na verdade vê entretenimento (…) atualmente a demanda é para fazermos novela brasileira com orçamento de novela mexicana, com poucos personagens e cenários e, pior, fazer para TV aberta, TV fechada, streaming”, completou Aimar alinhavando essas apresentações inaugurais. Ele falou ainda de sua experiência colaborando com Lauro César Muniz, a quem considera o grande teledramaturgo de sua geração, e que tinha dificuldades de trabalhar com colaboradores, pois fazia parte da geração que acreditava estar fazendo arte. “Quem inventou colaborador no Brasil foi o Gilberto Braga, até porque ele nem queria fazer novela (…) a Glória Perez não tem nenhum colaborador (…) o Silvio de Abreu foi quem melhor utilizou colaboradores, até porque pegava como colaboradores criativos melhores do que ele”, disse Aimar com uma fala bastante enfática.

Amor de Mãe

E quando a novela dá errado?
Mario fez uma analogia entre a novela e um avião no ar para comentar sobre as turbulências que a trama pode enfrentar. Segundo ele, se isso acontecer, a máquina precisa ser consertada no ar, não pode parar com o intuito de arrumar certas coisas. Faz todo sentido pensar na novela como uma cadeia formada por diversos núcleos que precisam funcionar em consonância para que eventuais sucessos sejam alcançados, pois de nada adianta um texto brilhante se o elenco tem dificuldades para decorar e interpretar esse texto. Já Ecila falou que quando surgem os problemas, é a hora de colaboradores e autores aprenderem, pois é preciso ter uma capacidade enorme de resolver equações que podem determinar mudanças significativas. Ecila citou um trabalho em que o elenco se rebelou e ela precisou dialogar com atores e atrizes muito mais experientes sobre os rumos de seus respectivos papeis na novela. A essa fala se seguiram alguns causos interessantíssimos sobre enormes problemas de bastidores de várias naturezas, como a inadequação de membros da equipe, a baixa audiência e insatisfações de outras naturezas. Vera comentou sobre uma novela em que tinha 30 capítulos escritos de folga, mas que essa situação confortável foi caindo por terra em virtude de contratempos com atores, acidentes pessoais com parte da produção e toda sorte de outros obstáculos não previstos. O público sequer faz ideia das intempéries que podem afetar o resultado das novelas, o que determina o seu status.

Ceci falou das diferenças entre a novele a teleséries, pois o produto encomendado diretamente para streaming vai ao ar com todo o conteúdo gravado, diferentemente da novela que vai sendo moldada de acordo com as respostas dos públicos e auscultação do mercado. Ceci citou Stranger Things (2016-) como produto criado totalmente a partir dos algoritmos da Netflix, sendo toda forjada nesses parâmetros a respeito de tópicos e curvas dramáticas que fisgam a audiência. Mario pegou o gancho e defendeu o modelo da telenovela que permite ajustes de acordo com as respostas do público, citando as diferenças diante dos novos formatos. Aimar seguiu o raciocínio e diz que o modelo do streaming, em comparação com o da telenovela, ocasiona também uma perda de feedback do próprio elenco que muitas vezes dá respostas extremamente valiosas para autores e colaboradores desenharem as histórias. “No streaming, é prudente economicamente colocar o dinheiro numa situação controlável (…) essa mudança de mercado tem provocado muitas alterações nas placas tectônicas”, disse Ceci. Aimar também afirmou que a mudança de modelo tem a ver com a alteração da perspectiva nacional (novela) para uma perspectiva global (telesérie). “Tenho certeza que inteligência artificial não substitui autor, mas pode substituir colaborador. Aliás, quem aí quiser ser colaborador pode pensar em outra profissão, pois as inteligências artificiais têm total capacidade para substituir o trabalho braçal”, completou Aimar, citando que têm havido a troca sensível do melodrama pelo drama.

Ao retomar a palavra, Mario falou que é preciso fazer a diferença entre os públicos de uma telenovela, feita para a TV aberta e com um grupo enorme e heterogêneo, e aqueles que são os prioritários nas TVs a cabo e no streaming – meios que, segundo ele, aceitam coisas mais arriscadas, estética e narrativamente falando “Nosso público está habituado a palpitar, mesmo (…) entro no Twitter apenas quando estou com novela nova no ar, pois as respostas do público ali são imediatas”, completou Mário. Aimar brincou ao dizer que há público com e sem talento, mas que também existem autores sem talento para trabalhar com colaboradores, citando ainda grandes nomes importantes que ele considera ter talento para tratar com a equipe de colaboradores. A partir disso, todos integrantes da mesa falaram um pouco de suas experiências pessoais na relação que prescinde também de respeito e conexão entre os integrantes para fluir. Ao fornecer acesso a esse mundo que permanece distante da maioria dos espectadores, principalmente na construção de um produto com tanta penetração cultural no nosso país, os membros da mesa de discussão ajudaram a lançar luz sobre temas fundamentais e ainda quebrar alguns estigmas que dizem respeito à construção de uma novela. Valéria disse que quando eles estão trabalhando num folhetim, a vida de autores e colaboradores acaba sendo restrita aos processos criativos, se tempo para vida social. Os presentes responderam alguns questionamentos da plateia, ampliando tópicos abordados anteriormente. Assim terminou a mesa O Colaborador na Telenovela Brasileira, uma reunião bastante instigante entre talentos.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.