Na noite de 5 de dezembro começou o 30º Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema. Diante das dificuldades impostas pela pandemia de Covid-19, o evento optou por um formato inédito, combinando sessões presenciais com exibições online (no YouTube e plataforma do Canal Brasil) e na televisão (via Canal Brasil). A cerimônia de abertura no Cineteatro São Luiz, em Fortaleza, constituiu uma experiência única mesmo para os jornalistas habituados a festivais de cinema.
Como esperado, o uso de máscara era obrigatório, havia totens de álcool gel por todos os lados e os assentos do cinema estavam demarcados para evitar aglomeração. “Como é chato não poder se abraçar”, confessavam os colegas críticos, reencontrando-se após mais de um semestre de distanciamento imposto pela quarentena. Mesmo assim, os acenos à distância ocorriam aqui e acolá, em meio a alguns cumprimentos de cotovelo. Os jornalistas demoravam a reconhecer colegas com parte do rosto coberta, enquanto o som das falas se tornava abafado, menos compreensível. Mas estes eram detalhes diante da prioridade de tornar a experiência segura a todos.
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A surpresa veio da apresentação em si. Ninguém subiu ao palco na noite do dia 5 – nem a apresentadora, nem os organizadores, muito menos os diretores e atores do primeiro filme em competição, presentes na sala de cinema. Talvez para evitar o compartilhamento de microfone, as introduções e agradecimentos foram pré-gravados e editados, incluindo sons fictícios de palmas. Assim, o público restrito (havia cerca de cem pessoas numa sala com capacidade para mil espectadores) escutava as reações de convidados imaginários – em outras palavras, aplaudiam por nós.
O recurso se justifica, primeiro, pela necessidade de diminuir as interações, e segundo, enquanto proposta lúdica de reencenar a interação “ao vivo”. Curiosamente, o aspecto mais realista do festival presencial – a convivência com as pessoas, os olhos nos olhos – foi ficcionalizado através das telas. A apresentadora discursava, em vídeo, a uma plateia vazia destinada a representar os convidados, enquanto Wolney Oliveira agradecia esta edição retrospectiva e comemorativa, capaz de se reinventar diante de grandes dificuldades de organização. Na plateia, o diretor do festival observava seu simulacro diante das telas.
Isso significa que, em tempos pandêmicos, mesmo o real se virtualiza em certa medida, e o Cine Ceará torna-se autor de seu próprio filme. Há certa generosidade brincalhona diante da artificialidade da gravação, ainda mais complexa a partir do momento em que os personagens na tela apresentam pequenas telas-dentro-da-tela, e assim por diante, numa metalinguagem vertiginosa.
Ao fim, os recados foram dados. A 30ª edição ganhou uma bela retrospectiva do Canal Brasil, resgatando os melhores momentos de cada ano desde 2011, quando a emissora selou a parceria com o evento cearense. Grandes nomes do cinema brasileiro, muitos deles já falecidos – José Mojica Marins, Nelson Xavier, Carlos Reichenbach – retornaram simbolicamente às telas do Cine Ceará, imortalizados pelas imagens.
Wolney Oliveira comemorou a quantidade expressiva de 120 filmes cearenses inscritos, entre curtas e longas-metragens, dentro da quantia de 1100 filmes inscritos no total. Destes, apenas sete longas e quinze curtas foram escolhidos para as mostras competitivas principais. Ele ressaltou a importância do Cine Ceará para o tripé formação/produção/difusão, ultrapassando o mérito da exibição.
A edição apresentou sua primeira homenagem de 2020, à atriz Glória Pires. Ela recebeu o troféu Eusélio Oliveira em sua casa, agradecendo à organização pelo reconhecimento. A intérprete de O Quatrilho (1995) relembrou o início da carreira, quando não havia preparadores de elenco e cada ator compunha seu personagem sozinho. Ela cobriu de elogios o colega Tony Ramos, com quem contracenou em Se Eu Fosse Você (2006) e Se Eu Fosse Você 2 (2009), e considerou “o melhor ator brasileiro”. Para Pires, os papéis principais em Flores Raras (2013) e Nise: O Coração da Loucura (2015) representaram bons “pontos fora da curva”, por serem projetos que jamais teria imaginado fazer quando era mais jovem.
A cerimônia se encerrou com a exibição do primeiro longa-metragem da mostra competitiva, o brasileiro A Morte Habita à Noite (2020), de Eduardo Morotó. Depois das seleções em Roterdã e Viña del Mar, a produção inspirada nas obras de Charles Bukowski ganhou sua primeira sessão no Brasil. Na trama, Raul (Roney Villela) é um escritor alcoólatra marcado por relacionamentos efêmeros com as mulheres (Mariana Nunes, Endi Vasconcelos, Rita Carelli). Entre cortiços e bares, ele constrói sua obra literária. Confira a nossa crítica.
Neste domingo, 6, a mostra competitiva segue com mais dois filmes: o argentino As Boas Intenções (2020) e o brasileiro Última Cidade (2020). Os curtas-metragens da Mostra Olhar do Ceará estão disponíveis online, e os debates com curtas-metragistas e longas-metragistas serão exibidos ao vivo por meio do YouTube.
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