Em sua mostra competitiva de longas-metragens, o Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema tem o costume de trazer produções independentes, de baixo orçamento, muitas delas realizadas por cineastas iniciantes. No entanto, cada ano apresenta alguma produção grandiosa que destoa das demais pelos recursos ostensivos de fotografia, som e montagem, cujos efeitos se ampliam nas telas do Cineteatro São Luiz.
Este foi o caso de Uma Mulher Fantástica, de Sebastián Lelio, em 2017; Petra, de Jaime Rosales, em 2018; Luciérnagas, de Bani Khoshnoudi, em 2019, e agora Branco no Branco, do chileno Théo Court, em 2020. Isso não significa que sejam os melhores filmes da disputa – alguns deles sequer recebem premiações em suas edições. No entanto, despertam interesse quanto à pluralidade da seleção: a curadoria se atenta a olhares sociais potentes, ainda que inseridos em tamanhos de produção muito distintos.
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Branco no Branco acompanha o fotógrafo Pedro (Alfredo Castro, um dos maiores atores chilenos em atividade), enviado a uma mansão no gélido sul do país, encarregado de fotografar um casal de noivos. No entanto, chegando ao lugar, os funcionários jamais permitem que sua tarefa se conclua, ao passo que Pedro descobre as reais atividades econômicas que sustentam tamanha riqueza. Entram em cena imagens perturbadoras de assassinato, estupro e erotização de crianças.
O cineasta utiliza a oportunidade para denunciar a história traumática de seu povo, onde a dominação econômica se traduz em dominação social. Assim, nesta fábula sangrenta, possuir terras significa possuir pessoas – a trama situada 120 anos atrás incomoda ainda mais pela proximidade com os dias de hoje. As imagens seduziram os espectadores pelo trabalho estetizante de fotografia e montagem, que talvez chamem mais atenção à destreza do diretor do que ao próprio tema abordado.
Ao final, uma questão dividia os espectadores e a imprensa nos arredores do Cineteatro São Luiz: tamanha beleza no retrato do sofrimento alheio constitui a melhor escolha para a direção? Pelo fato de acompanharmos a narrativa pelos olhos do forasteiro, justifica-se o fato de índios e mulheres não possuírem voz no filme? Leia a nossa crítica.
Enquanto isso, na Mostra Olhar do Ceará, foram apresentados os dois últimos longas-metragens da mostra competitiva: Pajeú (2020), de Pedro Diógenes, e Rio de Vozes (2019), de Andrea Santana e Jean-Pierre Duret. Enquanto o primeiro utiliza uma excelente combinação entre cinema fantástico e documentário (leia a nossa crítica), o segundo efetua uma leitura mais clássica do cinema de observação, acompanhando a vida dos pescadores à beira do rio São Francisco.
Na noite de 10 de dezembro, o festival apresenta seu último longa-metragem em competição: o documentário espanhol A Meia Voz (2019), de Heidi Hassan.