Na segunda noite da mostra competitiva, o 30º Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema apresentou dois novos longas-metragens nas telas do Cineteatro São Luiz, em Fortaleza, com exibição simultânea via Canal Brasil. A surpresa diante da cerimônia de abertura se diluiu: cada espectador encontrou com rapidez os assentos permitidos dentro da sala (apenas 10% da capacidade total), aguardando o início da apresentação pré-gravada em vídeo. Afinal, a habilidade de adaptação a novos formatos e cenários adversos sempre constituiu uma qualidade fundamental da classe audiovisual brasileira.
A sessão mais aguardada da noite vinha de Última Cidade (2020), único representante cearense na disputa pelo troféu Mucuripe, e um dos três longas brasileiros em competição. Na edição anterior, o vencedor foi precisamente o representante do Estado, Greta (2019), de Armando Praça. Este ano, a produção local comprova que vai muito bem, obrigado. O ousado faroeste distópico dirigido por Victor Furtado reúne as qualidades necessárias para ser recompensado na premiação, e possivelmente repetir a coroação do cinema cearense.
Na trama, João (Júlio Adrião) efetua um longo percurso rumo à cidade grande, onde busca acertar contas com os homens que tomaram suas terras. Com chapéu de cangaceiro e inspirações em Dom Quixote, ele cruza o caminho de diversos marginais, a exemplo de Tahiel (Hector Briones), que se torna seu fiel escudeiro. A produção mistura naturalismo, fantasia e farta simbologia rumo a uma Fortaleza opressora e desumana. Leia a nossa crítica.
Apesar do número limitado de espectadores em sala, a produção de equipe majoritariamente cearense recebeu fortes aplausos. Na manhã de 7 de dezembro, Furtado e a produtora Laila Pas participaram do debate ao vivo via YouTube, respondendo às perguntas virtuais dos participantes. O cineasta não poupou palavras ao associar a viagem de seu protagonista a uma política brasileira corrupta e incapaz de fornecer oportunidades justas às minorias.
Além do filme brasileiro, a Argentina foi representada por As Boas Intenções (2020), drama autobiográfico de Ana García Blaya. Em seu primeiro longa-metragem, selecionado nos festivais de Toronto e San Sebastián, a cineasta retrata sua infância, quando convivia tanto na casa da mãe recém-casada, quanto no apartamento do pai, um roqueiro carinhoso, porém um tanto imprudente com as crianças.
Incluindo vídeos de sua família e canções da banda do pai, o drama incorpora o aspecto punk rock à linguagem através de intensa banda sonora, referências aos anos 1990 e letreiros rabiscados, simulando os traços de uma criança rebelde. Os atores são bastante competentes, e embora o resultado seja muito mais convencional do que aquele proposto pelos brasileiros A Morte Habita à Noite (2020) e Última Cidade, representa uma produção capaz de conquistar número expressivo de espectadores no circuito de arte brasileiro – caso a reabertura das salas e a pandemia o permitam. Leia a nossa crítica.
A terceira noite da mostra competitiva traz um dos títulos mais promissores da seleção 2020: o documentário venezuelano Era uma Vez na Venezuela (2020), de Anabel Rodríguez. O projeto sobre as eleições numa cidadezinha representa o país no Oscar 2021, além de ter vencido o Festival de Hot Springs, e passado pelos festivais de Sundance, Toronto, HotDocs e Miami.
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