Festival de Berlim 2020 :: O cinema moderno de Kelly Reichardt e o cinema antiquado de Philippe Garrel

Publicado por
Bruno Carmelo

No segundo dia da mostra competitiva do 70º Festival de Cinema de Berlim, a curadoria efetuou uma escolha curiosa ao programar dois filmes em película, com imagens extremamente granuladas, além de narrativas minimalistas. Ao contrário da trama rocambolesca de El Prófugo (2020) ou da narrativa pomposa de Volevo Nascondermi (2020) no dia anterior, First Cow (2020) e The Salt of Tears (2020) constituem filmes bastante simples.

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First Cow

 

No entanto, os resultados não poderiam ser mais diferentes. Em First Cow, a diretora Kelly Reichardt (de Wendy e Lucy, 2008, e Certas Mulheres, 2016), visita novamente seus cenários e épocas preferidos – as florestas norte-americanas no século XIX – para trazer a história de dois amigos solitários, um com talento para a culinária, e o outro, para o comércio, que passam a roubar leite da única vaca da região para fazerem seus doces.

O resultado é uma sequência de imagens precisas e simples, muito bem iluminadas e fotografadas, dentro da trama que se recusa a introduzir qualquer acontecimento mirabolante para ver os personagens reagirem à crise. Reichardt recusa os vícios do cinema indie ao trabalhar uma amizade comovente e progressiva, de final trágico anunciado desde o início. Leia a nossa crítica.

 

The Salt of Tears

 

The Salt of Tears traz o veterano Philippe Garrel embelezando a sua imagem com todos os adereços possíveis do cinema romântico francês: fotografia em preto e branco, música recorrente de piano, longos fades etéreos, narradores de linguajar afetado, amantes que se amam e se deixam o tempo inteiro.

Pior do que a combinação indigesta de recursos é o machismo flagrante da trama, que adota o ponto de vista do herói Luc e o defende após cada abandono de namoradas em nome da busca pelo amor verdadeiro (inclusive a ruptura com a namorada grávida). A insistência em vê-lo como um pobre garoto vítima de suas pulsões, em paralelo com as imagens muito diferente dos corpos masculinos e femininos – elas estão sempre nuas para o olhar da câmera – produz um resultado repreensível. Leia a nossa crítica.

O dia 23 de fevereiro será importante para o cinema brasileiro na Berlinale: Todos os Mortos (2020) de Caetano Gotardo e Marco Dutra, nosso representante na disputa pelo Urso de Ouro, ganha as suas primeiras exibições para a imprensa e para o público, assim como o aguardado Undine (2020), de Christian Petzold.

 

:: Confira nosso especial com a cobertura completa da Berlinale 2020 ::

 

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.

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