Festival de Berlim 2020 :: O júri terá coragem de dar o prêmio máximo ao radical Days?

Publicado por
Bruno Carmelo

Após alguns concorrentes do 70º Festival Internacional de Berlim deliberadamente concebidos para chocar o público – as cenas de tortura em DAU. Natasha (2020), o abuso de crianças em Favolacce (2020) – talvez o filme mais radical da mostra competitiva também seja o mais simples: o taiwanês Days (2020), de Tsai Ming-Liang, drama agridoce sobre o amor entre dois homens.

 

 

Na trama, um massagista e seu cliente se encontram para uma noite de sexo casual. Ambos são solitários, levando vidas precárias. Nestas poucas horas juntos, encontrarão um precioso momento de afeto. O projeto, quase sem diálogos – e sem legendas, de propósito – tem cenas longuíssimas de poucos conflitos, marcadas no entanto pela beleza das imagens e pelo efeito do tempo sobre os personagens.

Este seria o filme perfeito para o Urso de Ouro, caso o júri consiga formar um consenso em torno de uma obra tão ousada, do tipo que dificilmente concorreria no Oscar do próximo ano, por exemplo. Caso vença, reproduziria o impacto do Festival de Cannes quando premiou o belo e árido Tio Boonmee, que Pode Recordar suas Vidas Passadas (2010), transparecendo uma escolha política em defesa de linguagens inventivas, ao invés de outras mais convencionais. Leia a nossa crítica.

 

 

Em paralelo, o Papo de Cinema teve a oportunidade de assistir a duas produções brasileiras aguardadas: Cidade Pássaro (2020) e Meu Nome É Bagdá (2020). O primeiro, dirigido por Matias Mariani, traz a história de um músico nigeriano cujo irmão desapareceu em São Paulo. Ele vem ao Brasil para solucionar o caso, e no caminho, descobre muito sobre sua própria identidade.

O resultado é um filme respeitoso sobre as diferenças culturais, elaborado com ótima produção e ritmo bastante agradável. O talento do diretor para capturar a arquitetura particular de São Paulo produz belas imagens, ainda que a conclusão do conflito seja menos interessante. Leia a nossa crítica.

 

 

Meu Nome É Bagdá captura toda a energia e vitalidade de um grupo de skatistas, inicialmente apenas garotos, do qual participa a jovem Bagdá (Grace Orsato). Ela passa os dias entre as pistas de skate, as tardes no salão de cabeleireiro onde trabalha a mãe e o tempo com as irmãs em casa. Aos poucos, começa a enfrentar o machismo dos garotos e dos policiais.

A diretora Caru Alves de Souza cria diversas sequências bastante naturalistas, tanto em diálogos quando na interação entre Bagdá e seus amigos. Talvez uma ou outra conversa sobre a condição feminina soe didática demais, mas de modo geral, a mistura entre o estilo quase documental e as cenas de performance musical resulta muito boa.

 

Na sexta-feira, 28, serão apresentados os dois últimos filmes da mostra competitiva: o documentário francês Irradiated (2020) e o drama alemão-iraniano There Is No Evil (2020).

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.

Últimos artigos deBruno Carmelo (Ver Tudo)