20200227 berlim destaque

A quarta-feira, 26, não foi muito fácil para os jornalistas no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim. Além de filmes muito longos – um de 3h03 de duração, outro de 2h35 -, os três projetos apresentados na Mostra Competitiva trazem personagens que atravessam profundo sofrimento, o que inclui tentativas de assassinato, membros decepados, humilhações em público, estupro e tortura.

Talvez a apresentação dos três juntos sirva a nos questionar sobre as diferentes formas de retratar a dor, e também sobre os limites desta forma de cinema-verdade que inflige aos atores momentos de grande desconforto em nome do realismo. Além disso, questiona-se a ideia de que o Drama, com D maiúsculo, seria aquele em que os personagens sofrem mais. Ora, cineastas talentosos como Kelly Reichardt (First Cow) e Eliza Hittman (Never Rarely Sometimes Always) já demonstraram nesta mesma mostra competitiva a beleza de dramas que sabem utilizar o silêncio e a ambiguidade.

LEIA MAIS
Festival :: Berlinale 2020
Festival de Berlim 2020 :: Comédia sul-coreana e drama norte-americano são bons candidatos ao Urso de Ouro
Festival de Berlim 2020 :: Produtora de Todos os Mortos, Sara Silveira brada por resistência à censura

 

20200221 berlin alexanderplatz papo de cinema banner

 

Berlin Alexanderplatz (2020) levou os críticos à maior sala da Berlinale às 8h15 da manhã para descobrir a nova versão do clássico alemão, baseado na obra de Alfred Döblin e previamente adaptada por Fassbinder. A história é adaptada aos dias de hoje, incluindo refugiados africanos, prostitutas e personagens LGBT. Francis, o personagem principal, é enganado por psicopatas e explorado por mafiosos na capital alemã.

Por mais interessante que seja esta nova configuração social, e mesmo que se admire o grande escopo da produção, talvez se possa criticar o forte conteúdo moralista, capaz de resumir todas as ações a “boas” ou “más”, assim como a condição de vítima em que se encerra o protagonista. Leia a nossa crítica.

 

20200221 the roads not taken papo de cinema banner

 

The Roads Not Taken (2020), de Sally Potter, despertava curiosidade pelo elenco estelar, incluindo Javier Bardem no papel de um pai com deficiências e Elle Fanning como a filha atenciosa, além de Laura Linney e Salma Hayek interpretando antigos casos de amor do protagonista. A história apresenta um único dia na vida de pai e filha, quando tentam sair de casa para irem ao médico, o que confronta o pai às suas limitações físicas e mentais.

O resultado, no entanto, beira o clichê do melodrama por suas frases de efeito e pelas dores estampadas em cada cena. Os atores não têm muitas oportunidades de se expressarem para além das fartas lágrimas. Curiosamente, os estúdios Focus Features/Universal Pictures trouxeram um dos melhores filmes da mostra competitiva até agora (Never Rarely Sometimes Always), mas também este, que constitui um dos mais fracos. Leia a nossa crítica.

 

20200221 dau natasha papo de cinema banner

 

O trio de dramas foi completado pelo mais duro de todos: DAU. Natasha (2020), representando a Rússia na busca pelo Urso de Ouro. Na trama, Natasha trabalha na cantina do Serviço Secreto soviético, e passa a ser chantageada e perseguida pelos oficiais. Ela desconta a violência sofrida em sua funcionária mais nova.

Os diretores Ilya Khrzhanovskiy e Jekaterina Oertel trazem cenas longuíssimas incluindo sexo explícito, agressão, humilhação, tortura e estupro. Esta foi a sessão com o maior abandono de críticos durante o filme: cerca de um terço dos espectadores da primeira sessão de imprensa se levantaram e deixaram a sala antes do final. Leia a nossa crítica.

 

A quinta-feira traz a exibição do filme Days (2020), de Tsai Ming-Liang na mostra competitiva, além de Charlatan (2020), de Agnieszka Holland, em exibição especial.

 

 

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deBruno Carmelo (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *