Festival de Berlim 2020 :: Três filmes sobre mártires levantam debate sobre a ética do sofrimento no cinema

Publicado por
Bruno Carmelo

A quarta-feira, 26, não foi muito fácil para os jornalistas no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim. Além de filmes muito longos – um de 3h03 de duração, outro de 2h35 -, os três projetos apresentados na Mostra Competitiva trazem personagens que atravessam profundo sofrimento, o que inclui tentativas de assassinato, membros decepados, humilhações em público, estupro e tortura.

Talvez a apresentação dos três juntos sirva a nos questionar sobre as diferentes formas de retratar a dor, e também sobre os limites desta forma de cinema-verdade que inflige aos atores momentos de grande desconforto em nome do realismo. Além disso, questiona-se a ideia de que o Drama, com D maiúsculo, seria aquele em que os personagens sofrem mais. Ora, cineastas talentosos como Kelly Reichardt (First Cow) e Eliza Hittman (Never Rarely Sometimes Always) já demonstraram nesta mesma mostra competitiva a beleza de dramas que sabem utilizar o silêncio e a ambiguidade.

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Berlin Alexanderplatz (2020) levou os críticos à maior sala da Berlinale às 8h15 da manhã para descobrir a nova versão do clássico alemão, baseado na obra de Alfred Döblin e previamente adaptada por Fassbinder. A história é adaptada aos dias de hoje, incluindo refugiados africanos, prostitutas e personagens LGBT. Francis, o personagem principal, é enganado por psicopatas e explorado por mafiosos na capital alemã.

Por mais interessante que seja esta nova configuração social, e mesmo que se admire o grande escopo da produção, talvez se possa criticar o forte conteúdo moralista, capaz de resumir todas as ações a “boas” ou “más”, assim como a condição de vítima em que se encerra o protagonista. Leia a nossa crítica.

 

 

The Roads Not Taken (2020), de Sally Potter, despertava curiosidade pelo elenco estelar, incluindo Javier Bardem no papel de um pai com deficiências e Elle Fanning como a filha atenciosa, além de Laura Linney e Salma Hayek interpretando antigos casos de amor do protagonista. A história apresenta um único dia na vida de pai e filha, quando tentam sair de casa para irem ao médico, o que confronta o pai às suas limitações físicas e mentais.

O resultado, no entanto, beira o clichê do melodrama por suas frases de efeito e pelas dores estampadas em cada cena. Os atores não têm muitas oportunidades de se expressarem para além das fartas lágrimas. Curiosamente, os estúdios Focus Features/Universal Pictures trouxeram um dos melhores filmes da mostra competitiva até agora (Never Rarely Sometimes Always), mas também este, que constitui um dos mais fracos. Leia a nossa crítica.

 

 

O trio de dramas foi completado pelo mais duro de todos: DAU. Natasha (2020), representando a Rússia na busca pelo Urso de Ouro. Na trama, Natasha trabalha na cantina do Serviço Secreto soviético, e passa a ser chantageada e perseguida pelos oficiais. Ela desconta a violência sofrida em sua funcionária mais nova.

Os diretores Ilya Khrzhanovskiy e Jekaterina Oertel trazem cenas longuíssimas incluindo sexo explícito, agressão, humilhação, tortura e estupro. Esta foi a sessão com o maior abandono de críticos durante o filme: cerca de um terço dos espectadores da primeira sessão de imprensa se levantaram e deixaram a sala antes do final. Leia a nossa crítica.

 

A quinta-feira traz a exibição do filme Days (2020), de Tsai Ming-Liang na mostra competitiva, além de Charlatan (2020), de Agnieszka Holland, em exibição especial.

 

 

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.

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