O concorrente pernambucano, inteiramente filmado no Paraguai, King Kong en Asunción, foi o grande vencedor da mostra de longas brasileiros do 48o Festival de Cinema de Gramado. O filme de Camilo Cavalcante, o último a ser apresentado ao público na programação oficial, recebeu ainda os kikitos de melhor ator, entregue postumamente para Andrade Júnior (falecido em 2019), e Trilha Musical (empatado com Todos os Mortos), além de ter sido escolhido também o melhor do ano pelo Júri Popular. O citado Todos os Mortos, de Caetano Gotardo e Marco Dutra, levou ainda os troféus de Ator Coadjuvante (Thomas Aquino) e Atriz Coadjuvante (Alaíde Costa). Aos Pedaços, de Ruy Guerra, rendeu ao veterano cineasta o kikito de Melhor Direção, além de ter recebido também os de Melhor Som e Fotografia. Enquanto isso, o título mais premiado desta seleção foi Um Animal Amarelo, escolhido como Melhor Atriz (Isabel Zuáa), Roteiro, Direção de Arte, Menção Honrosa do Júri para o ator Higor Campagnaro, e Prêmio da Crítica. Me Chama Que Eu Vou, documentário de Joana Mariani, ganhou como Melhor Montagem, enquanto que Por Que Você Não Chora? mereceu um Prêmio Especial do Júri para a atriz Elisa Lucinda.

 

Os apresentadores Renata Boldrini, Roger Lerina e Marla Martins | Foto: Edison Vara

A maioria destes resultados são, no mínimo, questionáveis. Era difícil mesmo apontar um melhor filme – a seleção toda foi bastante irregular – mas quem parece ter acertado, de fato, foram os críticos. Tanto na grade crítica do Papo de Cinema, com mais de uma dezena de críticos do site e convidados, como no agregador de notas Letterboxd, com dezenas de avaliações, o longa mais bem cotado era Um Animal Amarelo (média 6,4 na grade crítica e 6,4 no Letterboxd). O Prêmio Especial do Júri, por outro lado, é quase uma afronta: veja bem, Elisa Lucinda merece todo e qualquer troféu pelo conjunto de sua carreira, mas em Por Que Você Não Chora? ela mal aparece – não chega nem a ser coadjuvante – e não faz nada em cena que mereça destaque. Melhor teria sido uma recomendação para um prêmio honorário no próximo ano. Da mesma forma foram os coadjuvantes escolhidos – ambos com presenças discretas em Todos os Mortos. Nomes como Fernando Teixeira (King Kong en Asunción) ou Herson Capri (Um Animal Amarelo) teriam sido escolhas mais apropriadas no lado masculino, e entre as mulheres, a que deveria ter sido reconhecida aqui foi equivocadamente alçada ao posto de protagonista: Isabel Zuáa é maravilhosa, mas ela é coadjuvante em Um Animal Amarelo. Mawusi Tulani (Todos os Mortos) era a única verdadeira concorrente. Já Por Que Você Não Chora? merecia ter feito companhia a O Samba é Primo do Jazz e ficado de mãos abanando (com ao menos esse último, o tiro foi certeiro).

Na categoria de longas estrangeiros, não teve pra (quase) ninguém: o colombiano La Frontera se consagrou com os kikitos de Melhor Filme, Roteiro e Atriz (Daylin Vega Moreno e Sheila Monterola). O uruguaio El Gran Viaje al País Pequeño, de Mariana Viñoles, foi o mais premiado, levando como Melhor Direção, Prêmio Especial do Júri, Júri Popular e Prêmio da Crítica. Por fim, o argentino El Silencio del Cazador foi escolhido como Melhor Fotografia, enquanto que o paraguaio Matar a un Muerto conquistou o kikito de Melhor Ator (Anibal Ortiz). O chileno Los Fuertes e o mexicano Diás de Invierno foram solenemente ignorados, tanto pelo júri oficial, como pelo voto popular na escolha da crítica.

 

Luciana Souza vibrou com o kikito de Melhor Atriz pelo curta Inabitável | Foto: Edison Vara

Um resultado como esse é, no mínimo, acintoso. O filme com a média mais alta na grade crítica do Papo de Cinema foi justamente… Los Fuertes, que alcançou 7,2 entre os críticos do site, enquanto que no Letterboxd ficou com nota 7, dentre centenas de avaliações. Nenhum outro filme dentre os estrangeiros alcançou médias tão altas, seja entre críticos, ou mesmo junto a cinéfilos e curiosos. La Frontera merecia, no máximo, o prêmio de Atriz, e apenas para Daylin Vega Moreno, que é a verdadeira protagonista da trama. Se havia essa pré-disposição para um empate, que se fizesse entre os homens: as duplas de Los Fuertes, de El Silencio del Cazador e até mesmo de Matar a un Muerto teriam sido apostas mais justas. Escolher apenas um do filme paraguaio é tão cego quanto injusto. Los Fuertes, além de ser o melhor filme, merecia com folga os kikitos de Direção e de Roteiro, enquanto que o uruguaio El Gran Viaje al País Pequeño é tão irregular (até começa bem, mas logo se perde sem conseguir se recuperar) que, no máximo, justificaria o Prêmio Especial do Júri. Os demais, foram sonoros exageros.

Entre os longas gaúchos, a escolha foi óbvia: Portuñol, de Thais Fernandes, foi eleito o melhor da mostra, que contava com cinco títulos. Mas como os outros quatro obtiveram cotações muito baixas entre os que se dedicaram a assistir aos concorrentes, o resultado por aqui era bastante previsível. Por outro lado, entre os curtas brasileiros deu o amazonense O Barco e o Rio (Filme, Direção, Fotografia e Direção de Arte), enquanto que o pernambucano Inabitável – escolhido como o melhor do ano pelo Júri da Crítica e no Prêmio Canal Brasil – ganhou do júri oficial apenas os kikitos de Atriz (Luciana Souza) e Roteiro. Infelizmente, curtas como o gaúcho Subsolo, o mineiro 4 Bilhões de Infinitos, o paulista Extratos e o paraibano Remoinho foram ignorados, o que aumenta a insatisfação com o resultado desta 48a edição. Confira a seguir a lista completa com todos os premiados em cada categoria:

 

O diretor Camilo Cavalcante comemora o prêmio de Melhor Longa Brasileiro | Foto: Cleiton Thiele

LONGAS BRASILEIROS
Filme: King Kong en Asunción, de Camilo Cavalcante
Direção: Ruy Guerra, por Aos Pedaços
Ator: Andrade Júnior, por King Kong en Asunción
Atriz: Isabel Zuáa, por Um Animal Amarelo
Ator Coadjuvante: Thomas Aquino, por Todos os Mortos
Atriz Coadjuvante: Alaíde Costa, por Todos os Mortos
Roteiro: Felipe Bragança, por Um Animal Amarelo
Fotografia: Pablo Baião, por Aos Pedaços
Montagem: Eduardo Gripa, por Me Chama Que Eu Vou
Trilha Musical: Salloma Salomão, por Todos os Mortos, e Shaman Herrera, por King Kong en Asunción
Direção de Arte: Dina Salem Levy, por Um Animal Amarelo
Desenho de Som: Bernardo Uzeda, por Aos Pedaços
Prêmio Especial do Júri: Elisa Lucinda, por Por Que Você Não Chora?
Menção Honrosa do Júri: Higor Campagnaro, por Um Animal Amarelo
Júri Popular: King Kong en Asunción, de Camilo Cavalcante
Prêmio da Crítica: Um Animal Amarelo, de Felipe Bragança

 

Os diretores dos filmes estrangeiros estavam atentos para o anúncio dos vencedores | Foto: Edison Vara

LONGAS ESTRANGEIROS
Filme: La Frontera, de David David (COL)
Direção: Mariana Viñoles, por El Gran Viaje al País Pequeño (URU)
Ator: Anibal Ortz, por Matar a un Muerto (PAR)
Atriz: Daylin Vega Moreno e Sheila Monterola, por La Frontera (COL)
Roteiro: David David, por La Frontera (COL)
Fotografia: Nicolas Trovato, por El Silencio del Cazador (ARG)
Prêmio Especial do Júri: El Gran Viaje al País Pequeño (URU)
Júri Popular: El Gran Viaje al País Pequeño (URU)
Prêmio da Crítica: El Gran Viaje al País Pequeño (URU)

 

Melhor Longa Gaúcho: Portuñol, de Thais Fernandes | Foto: Cleiton Thiele

LONGAS GAÚCHOS
Filme: Portuñol, de Thaís Fernandes

CURTAS BRASILEIROS
Filme: O Barco e o Rio, de Bernardo Ale Abinader
Direção: Bernardo Ale Abinader, por O Barco e o Rio
Ator: Daniel Veiga, por Você Tem Olhos Tristes
Atriz: Luciana Souza, por Inabitável
Roteiro: Matheus Farias e Enock Carvalho, por Inabitável
Fotografia: Valentina Ricardo, por O Barco e o Rio
Montagem: Ana Júlia Travia, por Você Tem Olhos Tristes
Trilha Musical: Hakaima Sadamitsu, M. Takara, por Atordoado, Eu Permaneço Atento
Direção de Arte: Francisco Ricardo Lima Caetano, por O Barco e o Rio
Desenho de Som: Isadora Torres e Vinícius Prado Martins, por Receita de Caranguejo
Prêmio Especial do Júri: Preta Ferreira, por Receita de Caranguejo
Júri Popular: O Barco e o Rio, de Bernardo Ale Abinader
Prêmio da Crítica: Inabitável, de Matheus Farias e Enock Carvalho

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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