A 48ª edição do Festival de Gramado se encaminha aos últimos dias, em formato inédito. Enquanto os longas e curtas-metragens em competição são exibidos ao vivo no Canal Brasil, os longas-metragens gaúchos ficam disponíveis durante toda a duração do evento na plataforma online Canal Brasil Play. Embora a versão online limite a interação e restrinja a qualidade da exibição, ele permite que pessoas do país inteiro tenham acesso a um público que, em edições tradicionais, ficaria restrito aos frequentadores da cidade de Gramado.
Tendo visto os cinco filmes da Mostra Gaúcha de Longas-Metragens, é possível lançar algumas considerações a respeito da produção de Porto Alegre e Santa Maria no festival em 2020. As três ficções selecionadas recorrem ao cinema de gênero e/ou às convenções do cinema popular: Contos do Amanhã (2020) aposta na fantasia e na ficção científica, Ten-Love (2020) combina comédia romântica com suspense e toques de terror, enquanto Trapaça (2020) mistura a comédia de costumes com o filme de roubo.
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Em todos os casos, percebe-se o potencial dos diretores e do elenco, ainda que prejudicados por uma ambição que ultrapassa o porte da produção. Os criadores almejam construir grandes filmes repletos de personagens, cenas, cenários e objetos. Diante dos obstáculos do baixo orçamento, comuns à maioria dos títulos nacionais (sobretudo pós-2018), decidem fazer o melhor possível e tentar reproduzir suas referências hollywoodianas em formato menor. O resultado desfavorece a obra nacional, facilmente comparada com os originais que a superam.
Contos do Amanhã mira em universos próximos de Star Wars (1977) e Blade Runner, o Caçador de Androides (1982). Ten-Love faz alusão tanto a Woody Allen quanto ao cinema de terror, já Trapaça mira nos heist movies dos Estados Unidos e, no Brasil, nas comédias reproduzidas pela Globo Filmes. Estes referenciais podem constituir bons pontos de partida, no entanto, seria preciso encontrar alternativas criativas em termos visuais para contornar os problemas evidentes de filmagem.
No terreno da ficção científica, Adirley Queirós elaborou duas grandes obras de baixíssimo orçamento recentemente: Branco Sai, Preto Fica (2014) e Era uma Vez Brasília (2017), que assumiam suas limitações de forma radical e politizada. Para criar os clones de Um Homem Só (2015), Cláudia Jouvin apostou em recursos muito simples de ambientação e sugestão, porém incrivelmente eficazes para o resultado.
Quanto aos dois documentários restantes da Mostra Gaúcha, ambos apostam em narrativas ousadas dentro de formatos seguros. Deborah! O Ato da Casa (2020) concebe um longa-metragem filmado de maneira inteiramente remota, ao longo de uma única entrevista com a grande atriz Deborah Finocchiaro. No entanto, não explora criativamente o recurso das telas e da filmagem à distância.
Já Portuñol (2020), o melhor representante da mostra este ano, visita dezenas de cidades fronteiriças do Brasil com Uruguai, Paraguai, Bolívia e demais países, entrevistando moradores locais para conhecer sua relação com as línguas e culturas mistas. O resultado é competente, ainda que modesto em termos de ambição estética. Valoriza-se sobretudo a mensagem da aceitação das diferenças e da profunda riqueza cultural e linguística ignorada pela maioria dos brasileiros.
De modo geral, as cinco obras selecionadas se destacam por colocarem o conteúdo acima da forma, e as ambições temáticas acima dos meios de produção. Percebe-se um cinema jovem, repleto de vigor e de boas intenções, mas ainda carente de maturidade quanto à viabilidade de suas propostas. Seja como for, a Mostra Gaúcha do 48º Festival de Gramado apresenta criadores com evidente vontade de cinema, realizando filmes com visível esforço de finalização e exibição. Há motivos de sobra para acreditar que possam apresentar, nos próximos anos, projetos ainda mais interessantes que continuarão a merecer toda a nossa atenção.