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“Filmes sofríveis” :: Presidente da Petrobrás defende censura ao cinema brasileiro

Publicado por
Bruno Carmelo

Na noite de quinta-feira, o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, anunciou durante uma videoconferência que a empresa pretende não apenas reduzir drasticamente o investimento no audiovisual brasileiro a partir de 2021, mas também censurar filmes considerados “de qualidade mais do que sofrível”. Ele citou especificamente Bixa Travesty (2018) e A Lasanha Assassina (2002).

A fala demonstra profundo desconhecimento sobre o investimento cultural e a qualidade das obras produzidas com incentivos fiscais. Primeiro, Bixa Travesty não foi realizado com recursos da Petrobrás. Segundo, o filme sobre a artista e militante Linn da Quebrada, dirigido por Kiko Goifman e Cláudia Priscilla, constitui um dos nossos melhores e mais premiados documentários de 2018, tendo vencido o prêmio Teddy no Festival de Berlim e o prêmio do júri popular no Mix Brasil. Já A Lasanha Assassina constitui um curta-metragem dirigido por Alê McHaddo, um dos nosso mais aclamados animadores, incluindo José Mojica Marins no elenco.

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Roberto Castello Branco. Foto: Sérgio Moraes/Reuters.

 

Além do recorte equivocado, as obras listadas não surgem por acaso: trata-se de uma obra de temática LGBTQI+, e outra pertencente ao gênero de terror. É plausível supor que Castello Branco sequer tenha assistido aos filmes que criticou, desprezando-os pelo título chamativo e pela temática. Ora, não cabe ao presidente da Petrobrás julgar, pessoal e individualmente, a qualidade dos filmes. Além disso, a rejeição de um grupo inteiro de obras em virtude de sua visão política ou de sua temática constitui ato de censura.

O presidente da Petrobrás ainda reforçou que a empresa não vai mais patrocinar “artistas ricos”, fomentando mais um preconceito infundado em relação aos produtores de conteúdo audiovisual no Brasil. “Nós estamos investindo menos, mas em coisas que tenham maior retorno para a sociedade brasileira, e não simplesmente distribuindo dinheiro aqui e ali sem nenhum critério. […] Declaramos guerra ao desperdício”, declarou, em novo ataque à produção recente.

Ele afirma que os investimentos devem ser voltados a projetos para crianças entre 0 a 6 anos de idade, envolvendo cinema, teatro e literatura infantil. A Petrobrás já representou a principal patrocinadora de um cinema brasileiro plural, ousado e livre, resultando nas obras mais reconhecidas por críticos, espectadores e nos festivais de cinema, tanto brasileiros quanto internacionais.

 

PS: Após a publicação desta matéria, a gerência de imprensa da Petrobrás entrou em contato com o Papo de Cinema, solicitando a inclusão do seguinte posicionamento oficial. Segue o texto na íntegra:

“Roberto Castello Branco respeita todas as formas de expressão mas, como defensor da liberdade de escolha, se reserva o direto de ter suas próprias preferências artísticas.

Em sua declaração, não teve a intenção de ofender qualquer obra ou grupo. Mas se desculpa por algum mal-entendido.

A Petrobras reviu sua política de Patrocínios em 2019 e decidiu, com o apoio do Conselho de Administração, priorizar investimentos em projetos voltados à primeira infância, que contribuirão para dar um futuro muito melhor para crianças brasileiras de famílias de baixa renda.

A Petrobras patrocinou o festival de Brasília em 2018 e um prêmio que incluía a circulação de filmes vencedores do festival. No entanto, diante da mudança do foco do patrocínio para primeira infância , a empresa, em comum acordo com os produtores, não deu prosseguimento à etapa de circulação dos filmes”.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.

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