Na entrevista que fizemos com o cineasta Petrus Cariry sobre o seu mais recente filme, Mais Pesado é o Céu (2023), conversamos sobre as especificidades do trabalho com o elenco neste drama cearense que chega aos cinemas no dia 08 de agosto pela Sereia Filmes. Aliás, você pode clicar aqui para ler esse Papo completo. E especialmente num drama intimista e atmosférico como esse, em que muitas coisas importantes estão nos não ditos e nas impossibilidades nem sempre verbalizadas, a conexão entre direção e intérpretes é fundamental.
Depois de falar com o cineasta, é a hora de darmos voz aos homens e mulheres que corporificaram esses personagens nascidos do roteiro criado a seis mãos por Petrus Cariry, Rosemberg Cariry e Firmino Holanda. Lembrando que na trama temos dois protagonistas errantes pelo interior do Ceará, especificamente nos arredores de uma cidade que não existe mais. Eles, então, criam uma família improvisada a partir do encontro com um bebê abandonado, nesse caminho encontrando pessoas fundamentais que os ajudam. Confira abaixo o que o elenco estrelado de Mais Pesado é o Céu tem a dizer sobre a construção dos personagens.
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” A proposta era linda. Filmamos ainda no final da pandemia, e as personagens Teresa, Antônio e o bebê refletem metaforicamente o estado de alma da gente naquele momento. Eles estão saindo de onde estavam, cada um por seus motivos, mais ou menos ativamente, mais ou menos passivamente, e procurando voltar para um lugar onde um dia eles foram felizes. Na ficção do filme, as cidades ficaram inviáveis, quebradas financeiramente devido à pandemia, e esses três seres estão pela estrada, tentando “voltar para casa” e se encontram. Eles precisarão conviver com as virtudes e defeitos de cada um e formarão um casal improvável, com um filho improvável, e, de certa maneira, inaugurar uma família possível naquele momento de susto frio, branco, pálido, que foi o pós-pandemia. Antônio é um cara que veio de São Paulo, como eu, que volta para o Nordeste onde ele foi feliz, muito parecido com a minha vida. Sou paulistano que foi recrutado pela Retomada do Cinema para representar nordestinos, para repensar o Nordeste mitológico do Brasil na Retomada”.
“O olhar e o caminhar de Teresa foram elementos que, desde o início do processo, me convocaram para perto dela e de sua história. O olhar como essa brecha que irradia experiências de um passado seu, sobre o qual ela fala muito pouco, quase nada, e que é o mesmo olhar que mira em um futuro que ela busca apesar de todas as dificuldades. E esse caminhar que é cansado e firme, triste e esperançoso ao mesmo tempo, como se soubesse que a vida é mesmo essa coisa de ir caminhando em busca de algo entre a terra e o céu. Diria que talvez eu tenha começado a me conectar com Teresa por essas brechas entre mim, ela e o mundo: seu olhar e seus passos. Acredito que essa jornada de Teresa e os encontros que ela vai tendo com os outros personagens masculinos e femininos dão a ver algumas das relações gritantes de uma sociedade patriarcal, violenta e adoecida como a nossa e que, através dessas fraturas expostas, ela vai tentando sobreviver”.
“Para mim, Fátima é uma das personagens mais difíceis que já fiz porque ela é misteriosa e solitária. Meio fada, meio bruxa. Meio bruxa, por ter um suspense sobre a relação dela com a criança, e meio fada porque ela abre os caminhos para o casal protagonista. Ela é uma mulher que eu acho que tem muito a ver com o cinema do Petrus, que é um cinema de grande sutileza, muito sensorial, sem uma psicologia óbvia. Fátima é de um mundo quase sobrenatural e foi, a princípio, indecifrável para mim. Depois eu criei os meus próprios bastidores e uma história de solidão e dureza para ela. Acho importante dizer que, nos filmes dos Cariry, eu sempre quero, e eles sempre topam, chegar antes no set para me ambientar. Foi fundamental passar alguns dias no sertão antes das gravações. Eu nunca tinha ido ao sertão, então foi uma experiência magnífica que me ajudou muito a entrar”.
“O processo de construção da Letícia para Mais Pesado é o Céu se deu de uma forma muito natural, orgânica, espontânea. Foi o meu primeiro trabalho com Petrus e Bárbara Cariry, mas, logo no nosso contato inicial, eu fui abraçada e percebi que havia no olhar deles
uma segurança em relação ao meu trabalho e ao que eu poderia oferecer para a personagem. Letícia ganhou muito no contato que tive com a Ana Luiza Rios, que interpreta a protagonista e ajudou para que a gente encontrasse o lugar dessas personagens, que tônus a gente teria que colocar nelas, como seria esse primeiro encontro e o desenrolar desses encontros dentro da narrativa”.
“Zé Caminhoneiro tem uma presença pequena, mas muito marcante. Os diálogos das cenas já indicam muito bem o caminho a percorrer. A história do casal é comovente, ambientada em um país mais uma vez destroçado pela ganância e pela estupidez. Então já estava ali na marca do pênalti. Só precisava do encontro com a equipe, da locação e do olho no olho na contracena para se fazer presente. A história faz um recorte importante do momento em que vivíamos uma tragédia sanitária, um país desgovernado, e, novamente, os desvalidos pagando a conta. Um registro contundente sobre nós, brasileiros e brasileiras”.