Em Os Membros da Família (2019), o adolescente Lucas possui diversos problemas: a morte recente da mãe, as dívidas deixadas por ela. Em determinado momento, ele beija um garoto, mas isso não representa um problema para ele, nem para as pessoas ao redor. Em A Batalha de Shangri-lá (2019), Madalena (Ingra Lyberato) é lésbica, e sua sexualidade produziu um trauma pessoal importante, no entanto o conflito está focado no filho dela, abandonado no nascimento.
No documentário Uma Garota Chamada Marina (2019), a homossexualidade da cantora Marina Lima deve ocupar, no máximo, cinco minutos em toda a trama. No romeno Monstros (2019), o marido mantém relações sexuais esporádicas com homens, e a esposa sabe disso. Este não constitui um questionamento para nenhum dos dois: a luta consiste na dificuldade de sustentar um casamento esfriado pelo tempo.
Talvez uma década atrás, estes filmes sequer figurassem nos principais festivais de cinema LGBT. O rótulo de “filme gay”, ou “filme LGBT”, possivelmente não se aplique a vários deles. No entanto, o 27º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade equilibra, especialmente na edição 2019, filmes sobre protagonistas abertamente gays, lésbicas, travestis e transexuais com outros em que a sexualidade e o gênero se tornam questões à parte dentro da trama.
Por um lado, perde-se o protagonismo desta temática dentro de filmes mais interessados em abordar outros aspectos psicológicos e sociais. Por outro lado, ganha-se na possibilidade de representar a homossexualidade e a transexualidade como fatores naturais, que não necessariamente fomentem dúvida, culpa, medo, doença e demais conflitos. Em outras palavras, estes filmes fornecem um importante contraponto a representações idealizadas (sejam elas do sofrimento máximo ou do amor perfeito) para vislumbrar uma configuração em que diferentes expressões de afeto e do corpo ocupem o mesmo tecido social.
Na saída da sessão de Os Membros da Família, uma espectadora questionava à amiga: “Mas por que este filme está no Mix Brasil? Só por causa de um beijinho?”. Sim, talvez justamente pela banalidade dentro daquele contexto, o simples beijo entre dois homens constitua um posicionamento político e de curadoria importante.
Se o evento oferecesse apenas retratos diluídos da sexualidade e do gênero, talvez a crítica fosse pertinente. Mas para cada Mr. Leather (2019), sobre o cenário gay fetichista, existe a doçura do casal heterossexual de Monstros. Para cada A Rosa Azul de Novalis (2018), sobre um dândi gay e exibicionista, existe o calvário pessoal da protagonista de O Chão Sob Meus Pés (2019), para quem o lesbianismo constitui apenas um detalhe. Existem muitas possibilidades de representação dentro do cinema LGBT, e muitas possibilidades de cinema LGBT dentro de um festival sobre gênero e sexualidade.
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