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A Mostra de Gostoso 2024 também é um espaço para a reflexão. Além das conversas entre realizadores, membros de equipes, jornalistas e público participante, o evento apresenta um cardápio interessante de seminários cuja função é colocar em debate temas muito específicos ligados ao universo audiovisual. Neste sábado, 23, a Pousada dos Ponteiros (uma das principais sedes da mostra) foi palco da primeira dessas atividades que visa expandir a percepção dos participantes acerca de algumas coisas fundamentais.

O assunto desse primeiro seminário da Mostra de Gostoso 2024 foi Narrativas do Nordeste: Construindo Identidades no Cinema Brasileiro. O encontro contou com as presenças da diretora de produção/produtora cultural paraibana Carolina Porto, com o roteirista/diretor/produtor potiguar Pedro Fiúza e com o roteirista/diretor/produtor baiano Marcos Alexandre, diretor de Caluim (2024), filme selecionado à mostra. A mediação foi de Anna Andrade. E o público fez a sua parte lotando o espaço destinado ao seminário.

Mostra de Gostoso. Foto: Marcelo Müller
Mostra de Gostoso. Foto: Marcelo Müller

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MOSTRA DE GOSTOSO: AS FALAS DO SEMIÁRIO

“Depois que comecei a pensar cinema em termos de política, me veio a indagação: como a gente pode continuar produzindo, num contexto de pouca capilaridade, e ter estabilidade? A gente sempre lida com as incertezas. Será que o filme vai ser realizado? Será que ele será visto? Será que teremos pagamento? (…) vamos ao encontro do pensar e fazer cinematográfico coletivo, mas que seja algo representativo do que acreditamos como cinema nordestino.

(…) Quando falamos de cinema nordestino parece que entramos numa bolha, que vamos produzir somente um tipo de filme. O devir do fazer e pensar arte parte do pressuposto de não aceitar aquilo que me é imposto como realizador. Somente nós sabemos como queremos construir as nossas narrativas. Pensar a produção e pensar o audiovisual sem levar em consideração acesso e políticas públicas é pensar num audiovisual vazio”, disse Marcos.

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Mostra de Gostoso. Foto: Marcelo Müller
Mostra de Gostoso. Foto: Marcelo Müller

Se a gente não se apropria da nossa própria historicidade vem outros e fazem, e fazem de uma forma que não é interessante, que estigmatiza, que reproduz estereótipos. Inclusive isso às vezes significa um fetiche pela violência sobre os nossos corpos na telona. É muito importante perceber que isso muda quando assumimos o lugar da produção, do roteiro e da direção. Penso muito que cinema nordestino também é conhecido pelo processo (…)

(…) As pessoas frequentemente falam de uma leveza, de uma afetuosidade nos sets dos filmes nordestinos. E sim, acho que temos um jeito diferente de tratar os processos da coletividade, de um aquilombamento. Essa coisa de conseguir trabalhar no coletivo com amor, respeito, com um denguinho e vontade de voltar no outro dia, sabe? Set precisa ser assim. A gente não tem de normalizar outra forma de fazer set que não seja com muita comunicação gostosa. Esse organismo cinema precisa ter pé, cérebro e coração para a gente fazer a parada acontecer. Tenho feito trabalhos muito prazerosos nesse sentido”, disse Carolina.

Historicamente não temos políticas públicas de fomento no Rio Grande do Norte. Antes da Lei Paulo Gustavo, nunca tivemos edital para longa-metragem. Como fazemos as nossas histórias serem vistas? Com curtas-metragens estamos fazendo há algum tempo. A gente não quer ser um rodapé do cinema brasileiro (…) Vou citar como um exemplo Bacurau (2019). O filme foi rodado em Parelhas (RN) e havia poucas pessoas do Rio Grande do Norte trabalhando nele. Ele foi rodado no nosso solo. É importante a gente ocupar esse espaço. A série Cangaço Novo (2023-) foi rodada exatamente no mesmo território. E onde estão as pessoas do RN trabalhando nessas produções? (…)

(…) Voltando a Bacurau, no começo do filme tem uma coisa que me incomoda muito. Vocês lembram o que está escrito numa plaquinha no começo do filme? ‘A oeste de Pernambuco’. É isso o que vai fica para a história. A gente não não teve tantos empregos de profissionais locais e também tem isso de apagar o território. Essa exploração territorial sem contrapartida acabar, é preciso ter uma contrapartida. O que essas obras deixam no local? O que os profissionais que vêm de fora têm que nós não temos”, disse Pedro.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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