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É curiosa a maneira como os filmes da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes dialogam com o Brasil de 2021, para além das discussões sobre gênero, raça e política presentes na maioria da seleção. Concebidos há anos, os projetos jamais poderiam antecipar a pandemia de coronavírus que tomaria conta do mundo e exporia de maneira ainda mais clara a péssima gestão do governo federal brasileiro.

No entanto, o evento tem apresentado histórias sobre clausura que permitem ler seus discursos enquanto sintomas dos tempos de isolamento social. Na Mostra Aurora, A Mesma Parte de um Homem (2021) traz a história de uma família presa, com portas e janelas trancadas, sem saber se o perigo se encontra dentro ou fora de casa. Agora, O Cerco (2020) revela Ana, uma professora de teatro que passa a ter sua casa invadida.

 

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O Cerco

 

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A ocupação não ocorre de maneira espetacular, nem necessariamente ameaçadora: a protagonista (interpretada por Liliane Rovaris) percebe possíveis arrombamentos, ou a intromissão de crianças da vizinhança, antes de suspeitar que a ocupação esteja ligada aos fantasmas do passado familiar. Afinal, quem é o inimigo?

O filme dos diretores Aurélio Aragão, Gustavo Bragança e Rafael Spínola discute de maneira eficaz a herança sombria da ditadura militar nos tempos contemporâneos. A recusa da artista em tomar alguma atitude concreta contra a violência também reflete um Brasil incapaz de reagir aos desmandos ao governo Bolsonaro. Leia a nossa crítica.

 

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Negro em Mim

 

Em paralelo, na Mostra Vertentes de Criação, Negro em Mim (2020) apresenta um formato mais clássico ao conversar com dezenas de artistas negros, de seis cidades brasileiras, sobre a representação e a representatividade do negro na dança, na música, na pintura e nas performances. O cineasta Macca Ramos obtém falas potentes e articuladas de diversos intelectuais.

No entanto, o projeto sofre com um desequilíbrio na qualidade de captação de imagem e som das entrevistas, além de uma duração excessiva que prejudica a fluidez. Resta um projeto ambicioso em termos políticos, e muito respeitoso na maneira como retrata todos seus personagens. Leia a nossa crítica.

 

Esta sexta-feira traz o último filme em exibição na Mostra Aurora. Eu, Empresa (2021), ficção mineira-baiana de Marcus Curvelo e Leon Sampaio, estreia às 20h, e fica disponível até o dia 30 de janeiro, que marca o encerramento da Mostra de Tiradentes.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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