20250130 carta tiradentes papo de cinema

A Mostra de Tiradentes 2025 segue de vento em popa até o próximo sábado, 01 de fevereiro, com cobertura especialíssima do Papo de Cinema. Nesta quarta-feira, 29, foi lida em plenária a já tradicional Carta de Tiradentes, um dos resultados do Fórum de Tiradentes, que neste ano aconteceu entre os dias 25 e 29 de janeiro. Consolidado em sua terceira edição como um importante espaço de debate e planejamento de ações, o Fórum de Tiradentes contou com 89 participantes que representaram vários segmentos do audiovisual.

A Mostra de Tiradentes 2025 promoveu a leitura desse documento resultante das discussões entre os membros do Fórum, documento que sintetiza diretrizes e reivindicações encaminhadas posteriormente às instâncias governamentais. Uma das principais reivindicações dos participantes da elaboração do documento (que você pode ler na íntegra logo abaixo) é a inclusão do audiovisual no rol das atividades econômicas estratégias do país. O documento será enviado ao Ministério da Cultura, à Ancine e a outras instâncias federativas.

Depois da leitura da Carta da Mostra de Tiradentes 2025. Foto/divulgação
Depois da leitura da Carta da Mostra de Tiradentes 2025. Foto/divulgação

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MOSTRA DE TIRADENTES 2025: A CARTA NA ÍNTEGRA

Nós, profissionais de todos os segmentos do ecossistema audiovisual e de todas as regiões do Brasil, nos reunimos, mais uma vez, na cidade de Tiradentes, para realizar a terceira edição do  Fórum de Tiradentes. 

A conjuntura do audiovisual brasileiro se transformou bastante desde janeiro de 2023, quando inauguramos o Fórum de Tiradentes, sob o signo da esperança impulsionada pela eleição do Presidente Lula, da reconstrução do Ministério da Cultura e da Secretaria do Audiovisual.

Reconhecemos o ciclo positivo que vivemos, considerando a situação de desmonte encontrada em 2022, agravada pelos efeitos da pandemia da COVID-19, embora persistam profundas preocupações e demandas em todas as áreas da atividade audiovisual.

Ao longo de 2023 e 2024, novas conquistas e retomadas foram alcançadas no setor, com destaque para:

  • A reconstrução dos mecanismos institucionais de governança, como os novos Conselho Superior do Cinema e Comitê Gestor do FSA,  e a retomada de ações de fomento;
  • A prorrogação da Lei do Audiovisual, a renovação das Cotas de Tela e a aprovação do Marco Legal do Fomento à Cultura;
  • A realização da IV Conferência Nacional de Cultura e a formulação em curso do Plano de Diretrizes e Metas do Audiovisual;
  • A articulação do Governo Federal com estados, municípios e Distrito Federal para a execução da Lei Paulo Gustavo e da Política Nacional Aldir Blanc;
  • A retomada de programas de exportação, o estabelecimento de novos acordos de cooperação internacional e os avanços para a formação de uma Film Commission Nacional;
  • O desenvolvimento do modelo de governança para implantação da Rede Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros para a futura criação do Programa Nacional de Preservação Audiovisual;
  • A retomada de parceria com o Ministério da Educação para a elaboração do Programa Nacional de Cinema na Escola, entre outras ações; e
  • A cooperação com o Ministério da Indústria, Comércio e Serviços, que resultou na inclusão do audiovisual no Conselho Nacional de Desenvolvimento da Indústria e no Programa Nova Indústria Brasil, em curso.

Em 2025, a Mostra de Tiradentes traz como tema “Que Cinema é Esse?”, de forma a explorar a diversidade cinematográfica brasileira, a partir do pressuposto da construção de uma “soberania imaginativa”. Essa diversidade, que nos confere expressão e significado, deve constituir o foco das políticas públicas, e consideradas nas dimensões políticas, culturais, sociais e econômicas.

Hoje, o reconhecimento da complexidade que abrange os segmentos de Produção, Distribuição e Circulação, Exibição e Difusão, Formação e Educação, Pesquisa e Preservação, tem encontrado ressonância no processo liderado pelo Ministério da Cultura, visando a formulação do Plano de Diretrizes e Metas do Audiovisual, atualmente em construção.

O Fórum de Tiradentes, enquanto espaço de diálogo democrático entre os diferentes setores do ecossistema audiovisual, e destes com o Estado e a sociedade, propõe a construção de uma ampla mobilização e pactuação em favor de uma política de desenvolvimento do audiovisual brasileiro.

Assim, nesta terceira edição, o Fórum recebeu um conjunto de noventa profissionais de diferentes perfis, gerações, trajetórias e experiências, para realizar discussões a partir dos seguintes eixos centrais:  a indústria e o papel estratégico dos pólos regionais; as ações de fomento para o setor; a emergência da pauta regulatória, especialmente para o VoD; a produção de dados e indicadores para qualificar as políticas públicas; e a pluralidade e a democratização do acesso.

Esse processo transversal permitiu a geração de um conjunto de proposições que será encaminhado para o Ministério da Cultura, em especial à Secretaria do Audiovisual e à Ancine, e para diversas instâncias federativas envolvidas com as políticas públicas, como os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Estados e Municípios, instituições representativas do setor, além de compartilhado com a sociedade.

O conjunto de proposições estará disponível em documento a ser publicizado. Entre as propostas para o  encaminhamento no período de 2025 e 2026, destacamos as seguintes:

  1. Revitalização da política nacional para o audiovisual

O Ministério da Cultura e a Presidência da República devem articular a mobilização do Executivo, Legislativo e Judiciário, estados, municípios, Distrito Federal e representações dos diversos segmentos do ecossistema do audiovisual para pactuar o apoio à revitalização da Política Nacional do Audiovisual, o desenvolvimento das formulações necessárias para estruturar e implementar o Sistema Setorial Nacional do Audiovisual e os desdobramentos programáticos do Plano de Diretrizes e Metas.

  • Governança e participação social

Promover a efetiva articulação de ações entre a Secretaria do Audiovisual, a ANCINE, o Conselho Superior de Cinema e o Comitê Gestor do FSA;

Implantar Câmaras Técnicas na Ancine e o Conselho Consultivo na Secretaria do Audiovisual com representação de todo o ecossistema do setor, além de formar a Comissão Tripartite, com representantes de estados, municípios, Distrito Federal e Ministério da Cultura, prevista no Sistema Nacional de Cultura.

  • Regulação do Vídeo sob Demanda – VoD

Avançar, com urgência, para a aprovação da regulação do VoD, a favor do setor e da indústria audiovisual brasileira independente e da soberania nacional. A articulação deve ser interministerial, envolvendo a ANCINE, liderada pelo Ministério da Cultura, encampada pela Presidência da República e de acordo com as proposições apresentadas pela Secretaria do Audiovisual neste Fórum.

  • Prorrogação da Lei do Audiovisual

Empreender os esforços necessários para a aprovação da Medida Provisória que prorrogou a Lei do Audiovisual no Congresso Nacional.

  • Marco Legal do Fomento à Cultura

Espelhar simplificações do Marco Legal de Fomento à Cultura nos regramentos e instruções normativas da Ancine, incluindo as demandas enviadas pelo setor durante a tramitação dessa regulação no Congresso Nacional.

  • Regulação dos Direitos Autorais

Avançar com as articulações necessárias para reconhecer, em lei, os direitos autorais de profissionais criadores do audiovisual brasileiro.

  • Desburocratização e revisão de direitos

Revisar as Instruções Normativas 158, 159, 119 e 126 que regram a execução orçamentária dos mecanismos de fomento, a classificação de nível das produtoras e a proponência dos projetos na ANCINE;

Revisar os direitos de contrapartida aos investidores que utilizem mecanismos de incentivo fiscal presentes nos artigos 3º, 3ºA da Lei do Audiovisual e artigo 39 da MP 2.228/01;

Revisar a proposta de Depósito Legal Universal para obras e registros audiovisuais, modificando a Lei 10.994/2004, promovendo descentralização e parametrização por meio de instituições estaduais e municipais.

  • Fundo Setorial do Audiovisual

Garantir o não contingenciamento dos recursos do FSA e aprovar na Lei Orçamentária da União recursos para investimentos não reembolsáveis e para o pagamento do agente financeiro;

Estabelecer calendário anual e plurianual dos editais;

Propor editais que contemplem a complexidade e a diversidade do mercado, com chamadas públicas distintas para atender a variedade de perfis dos agentes em todas as regiões, considerando as capacidades em desenvolvimento e as já instaladas;

Revisar critérios e métricas de avaliação dos editais;

Garantir no Plano Anual de Investimentos, recursos para todo o ecossistema do audiovisual e suas diferentes etapas da realização, com previsibilidade e continuidade anual, e especial atenção para o conteúdo infantil e infanto-juvenil.

  • Política Nacional Aldir Blanc – PNAB

Garantir a destinação de recursos para o audiovisual de acordo com as demandas locais, contemplando todo o ecossistema audiovisual;

Fortalecer a participação de agentes e entidades locais do setor no estabelecimento de diretrizes para a execução da PNAB na área do audiovisual;

Organizar cartilhas com modelos de editais em colaboração com entidades nacionais e locais.

  1. Regionalização

Aprimorar mecanismos de gestão das políticas federativas com a formação e atualização contínua de gestores, considerando as especificidades territoriais;

Estimular e fomentar coproduções regionais, e reativar o modelo de co-execução, bem como parcerias regionais coordenadas que também contemplem os demais elos do ecossistema.

  1. Política Internacional

Aprofundar parcerias com a América Latina, Mercosul, países de língua portuguesa, União Europeia, África, BRICs e Oriente Médio;

Fortalecer a atuação internacional e ampliar os investimentos da APEX e Embratur para a inclusão de novos mercados e de pequenas empresas nos programas de exportação;

Retomar as ações “Programa de Apoio à Participação Brasileira em Mostras e Festivais, Mercados, Laboratórios e Workshops Internacionais” e “Encontros com o Cinema Brasileiro”, além de ampliar e criar novas ações;

Estimular a formação e especialização de profissionais brasileiros de diversas áreas com foco na internacionalização;

Promover destinos internacionais de forma a circular a produção audiovisual, com a presença em mercados estratégicos e ativação em parceria com a Rede de Film Commissions Brasileiras.

  1. Distribuição e Circulação de Obras

Estimular a formação de públicos, no sentido da valorização do cinema brasileiro, da  emancipação e da cidadania;

Avançar, junto ao MEC, com a implantação da rede de salas públicas junto às universidades e institutos federais de ensino, com atenção à política curatorial e de programação;

Criar um sistema oficial de dados e indicadores para a contabilização de audiência na circulação e difusão de obras em espaços não comerciais.

  1. Exibição e difusão do audiovisual brasileiro

Criar uma base regulatória inclusiva, valorizar o ofício da curadoria, programação e crítica, aumentar a presença do audiovisual nas escolas, com foco  na universalização do acesso;

Construir e implementar ações contundentes para aumentar o público nas salas de cinema;

Criar mecanismos de financiamento e apoio específicos para Mostras e Festivais que desempenham papel fundamental na formação de público,  na valorização, reflexão, exibição e difusão do cinema brasileiro.

  1. Ampliação do circuito de salas de cinema

Ampliar os investimentos para a manutenção e ampliação do circuito de salas de exibição de natureza comercial e de difusão cultural, ampliando a cobertura territorial no Brasil;

Empenhar investimentos à difusão da produção brasileira independente e incentivar programações voltadas à formação de público junto às instituições de educação básica, técnica e superior e à rede de pontos e pontões de cultura.

  1. Rede de Comunicação Pública e streaming público

Reforçar a integração da EBC no ecossistema audiovisual brasileiro e sua liderança no campo público de televisão;

Ampliar a participação da EBC em coproduções e licenciamentos de produção independente de todas as regiões do País, e estimular o relacionamento com distribuidoras independentes;

Revitalizar os serviços da TV Escola para alcançar todo o território nacional;

Efetivar a plataforma de streaming pública, garantindo a democratização do acesso ao conteúdo independente brasileiro e possibilitando a criação de trilhas pedagógicas.

  1. Democratização do acesso à internet

Avançar no Plano Nacional de Banda Larga e avaliar formas de indução da circulação e acesso, em todo território nacional, para obras audiovisuais brasileiras independentes.

  1. Formação

Promover a formação audiovisual crítica e criativa, focada na democratização do acesso às obras brasileiras, com curadorias diversificadas e comprometidas com os Direitos Humanos;

Regulamentar a lei 13.006/14 a partir da articulação da proposta do Programa Nacional de Cinema na Escola com a Política Nacional de Educação Digital e a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas, para a constituição da memória e da imaginação na produção coletiva de conhecimento;

Garantir a qualidade na formação de educadores e agentes para todo o ecossistema audiovisual.

  1. Preservação

Promover a ampla discussão, com representantes da sociedade civil organizada, redes e instituições do setor, sobre o modelo de governança para a estruturação da Rede Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros e do Programa Nacional de Preservação Audiovisual, para sua democrática implementação;

Garantir o financiamento, para as instituições de salvaguarda de patrimônio audiovisual nas cinco regiões do país.

  1. Superação da precarização das relações de trabalho

Reconhecer a atividade dos trabalhadores da cultura com CNAE exclusivo;

Rever restrições para a contratação em regime CLT no regramento de prestação de contas.

  • Pesquisa e indicadores

Aprimorar parâmetros e metodologias para diagnósticos, mensuração e qualificação do ecossistema audiovisual brasileiro em colaboração com a Rede de Observatórios do Cinema, Audiovisual, Games e XR;

Garantir nos Arranjos Regionais a obrigação de realizar diagnósticos locais a partir de dados padronizados para o cumprimento da obrigatoriedade dos entes locais apresentarem relatórios do panorama audiovisual;

Garantir que o Ministério da Cultura articule com o IBGE a inclusão de dados relativos ao setor cultural na PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios contínua e na MUNIC – Pesquisa de Informações Básicas Municipais, especialmente no Suplemento Cultura.

  • Desenvolvimento econômico

Instituir Assessoria Especial de Desenvolvimento Econômico do Audiovisual junto à ANCINE, com a responsabilidade de operacionalizar e ampliar programas interministeriais;

Estender as linhas de financiamento para modernização e ampliação da infra-estrutura instalada no Brasil e adaptação e aperfeiçoamento de processos diante das novas tecnologias, bem como desonerar taxas de importação sobre equipamentos que não possuam similar nacional;

Promover o audiovisual brasileiro com investimento em filmes que tenham potencial para conquistar mercado e relevância nacional e internacional, além de promover uma campanha mundial de divulgação do cinema e do audiovisual brasileiro.

  • Campanha de informação e conscientização

Promover campanhas informativas periódicas para que a sociedade compreenda a importância do audiovisual brasileiro e das políticas culturais no fortalecimento da cidadania, bem como seu papel na geração de renda, receita e empregos.

Por fim, o Fórum de Tiradentes recomenda, frente aos graves retrocessos em prática no mundo, o compromisso com a defesa da soberania nacional, dos Direitos Humanos, da diversidade racial, de gênero e territorial brasileira.

Tiradentes, 29 de janeiro de 2025.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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