A Filme Filme é uma plataforma relativamente nova, e particularmente interessante para quem procura um modelo diferente de streaming e VoD. Ao contrário dos serviços focados no volume de opções, que oferecem títulos de qualidade variada por um valor mensal, a Filme Filme efetua uma curadoria mais precisa e permite que você alugue apenas aquela comédia, drama ou documentário que deseja ver.
A lógica de “alugar” nos remete aos tempos das videolocadoras: o cliente permanece durante sete dias com o filme pelo qual pagou, podendo rever quantas vezes quiser (e nem tem que rebobinar a fita depois). O catálogo é dividido entre “filmes de festivais”, “documentários” e “populares”, com destaque especial para a produção nacional. Abaixo, a equipe do Papo de Cinema listou dez sugestões para assistir no Filme Filme:
Robledo Milani (Editor-chefe)
120 Batimentos por Minuto (2017) / Divinas Divas (2016)
Com forte foco em filmes brasileiros e europeus, a Filme Filme oferece uma variada gama de opções para o cinéfilo mais atento e em busca de opções não tão óbvias. O espectador atrás de títulos de qualidade que abordem temáticas LGBTQ+, por exemplo, poderão contar com longas como o francês 120 Batimentos por Minuto, de Robin Campillo, e o documentário nacional Divinas Divas, estreia na direção da atriz Leandra Leal. Enquanto o primeiro teve sua estreia mundial no Festival de Cannes – de onde saiu com Grande Prêmio do Júri – e foi escolhido para representar seu país no Oscar, o segundo foi recebido com aplausos no Festival do Rio – onde recebeu o prêmio do público – e garantiu quatro indicações ao Grande Prêmio Brasil de Cinema, tendo sido premiado como Melhor Documentário e Montagem em Documentário.
Focado nas ações do grupo ativista Act Up no início dos anos 1990, na França, 120 Batimentos por Minuto mostra como a epidemia da AIDS afetou milhares de vidas. Nahuel Pérez Biscayart surge como Sean, um destes tantos jovens afetados pelo vírus HIV e que, por causa da sua condição enquanto soropositivo, decide se dedicar a uma luta que não era só dele, mas também de tantos outros. Um filme colorido, esfuziante e muito dolorido. Leia a nossa crítica. Emoção também é o que não falta em Divinas Divas, um retrato de um dos primeiros grupos de travestis do Brasil, que se apresentavam no teatro Rival, no Rio de Janeiro, nos anos 1960. O local, não por acaso, pertencia à família de Leandra Leal, que resgata essas histórias com bastante afeto, a partir de um olhar muito particular. Mais do que uma homenagem, ela faz uma declaração de amor a talentos que, muitas vezes, passavam desapercebidos, mas que aqui recebem, enfim, o merecido reconhecimento. Leia a nossa crítica.
Marcelo Müller (Editor)
As Montanhas se Separam (2015) / Slam: Voz de Levante (2017)
O cineasta chinês Jia Zhangke é um dos principais nomes do cinema mundial contemporâneo. Sua filmografia expõe as feridas geradas pela urgência do progresso, algo que ganha matizes muito particulares quando estamos falando da China, cuja estrutura milenar e atualmente comunista é cada vez mais alterada pela lógica da transformação dos valores. As Montanhas se Separam começa na cidade natal de Jia, em Fenyang, com Zhao Tao (esposa e atriz-fetiche do realizador) interpretando uma jovem como vértice de um triângulo amoroso. Num lado, o trabalhador de uma mina de carvão; no outro, o rico herdeiro de um posto de gasolina. A trama se desenvolve a partir dessa rivalidade com contornos sintomáticos da visão de mundo que caracteriza a obra de Jia. Gradativamente é constatado que aos pretendentes há espaços distintos na conjuntura. Adiante, a consolidação de um vínculo, a derrocada quase generalizada e os afetos lutando para perseverar em tempos de crise de princípios humanos. Leia a nossa crítica.
O slam é uma modalidade de disputa poética surgida nos Estados Unidos, amplamente disseminada no Brasil, especialmente nas periferias que encontram nessa batalha verbal uma forma de expurgar demônios íntimos e coletivos. As cineastas Roberta Estrela D’Alva e Tatiana Lohmann deflagram eficientemente em Slam: Voz de Levante uma espécie de genealogia da atividade, sem incorrer em procedimentos excessivamente didáticos, apresentando artistas que rimam sobre desigualdade social, racismo, machismo, homofobia e toda sorte de mazelas que se abatem sobre as mais diversas localidades. Há um potencial explosivo, uma vontade recorrentemente manifestada de não se deixar levar pelos protocolos de um cinema bem comportado. Essa noção de insurreição urgente advém do que se fala, mas também da forma como são costuradas as partes à valorização dos artistas e daquilo que eles têm a dizer. Leia a nossa crítica.
Francisco Russo (Editor)
O Formidável (2017) / Boi Neon (2015)
Eis um mix bem interessante, de filme que bebe da fonte do cinema para falar sobre… cinema! Não apenas ao retratar uma persona cinematográfica, como é o caso de Jean-Luc Godard, mas também ao brincar, de forma bem-humorada e por vezes didática, com a forma como se faz cinema, tendo por inspiração maior os próprios trabalhos do cineasta. O Formidável é assim, um experimento cinematográfico repleto de camadas que se misturam, misto de pastiche com comédia clown, passando por fatos históricos, vida conjugal e um mito quase inacessível, cuja postura e trejeitos tão peculiares são usados para divertir. Leia a nossa crítica.
A partir de uma fotografia belíssima e grandes atuações de seu elenco, em especial Juliano Cazarré, o diretor Gabriel Mascaro apresenta em Boi Neon uma história sobre o interior do Brasil que tão bem representa a contemporaneidade nos gêneros, sem delimitações ou estereótipos na postura e no modo de agir. Um filme hipnótico, como poucos lançados nos últimos anos. Leia a nossa crítica.
Bruno Carmelo (Editor)
Eu Não Sou Seu Negro (2016) / Maria Callas em Suas Próprias Palavras (2017)
Em cartaz na Filme Filme se encontram dois belos documentários que buscam em casos específicos do passado uma maneira de refletirem sobre o presente. Eu Não Sou Seu Negro foi lançado numa época repleta de fortes projetos sobre conflitos raciais, e mesmo assim conseguiu se destacar e se tornar um dos mais premiados sobre o tema, concorrendo inclusive ao Oscar. Dirigido por Raoul Peck, a partir do texto de James Baldwin, o filme propõe uma reflexão contundente sobre os estereótipos atribuídos ao movimento negro pela mídia, incluindo as falácias do “racismo reverso”, do “vitimismo” e outros selos colados para desvalorizar a importante luta por direitos civis nos Estados Unidos. Leia a nossa crítica.
Talvez menos politizado, mas ainda assim fascinante do ponto de vista sociológico, Maria Callas em Suas Próprias Palavras propõe uma incursão na trajetória da grande cantora lírica pelos bastidores. Embora a imagem da “diva” seja um selo colado pela mídia e pelos fãs, ou seja, uma imagem exterior à artista, o diretor Tom Volf permite que a cantora se explique sobre tantos mal entendidos a respeito de apresentações abandonadas, casos amorosos, infidelidades e afins, sem jamais julgá-la moralmente por suas atitudes. Callas critica a mídia enquanto se utiliza dela, num diálogo muito interessante da imagem colocada contra si mesma. Assim, cada longa apresentação musical protagonista adquire um novo sentido ao sabermos as dores e conflitos vivenciados pela artista enquanto cantava. Leia a nossa crítica.
Victor Hugo Furtado (Redator)
O Homem que Desafiou o Diabo (2007) / O Grande Circo Místico (2018)
Sessão dupla do cinema nacional. A primeira dica adapta as inventivas histórias de Nei Leandro de Castro, apresentando o simplório Zé Araújo que, cansado de trabalho e humilhação, torna-se o mítico herói nordestino Ojuara – que possui mais coragem do que sensatez. Em sua jornada à caça do Diabo, enfrentará monstros e belas moças que pretendem seduzir e cessar sua aventura. Mitologia grega, nórdica e asiática estão presentes nessa ousada combinação de Moacyr Góes e Bráulio Tavares na composição do roteiro estrelado de forma única por Marcos Palmeira. Destaque para a maquiagem e os efeitos visuais do filme que foram indicados ao Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro 2008.
Apesar do grande destaque no meio cinematográfico, O Grande Circo Místico (2018) acabou passando batido pelo grande público. No retorno de Carlos Diegues a direção, ele comanda diversas histórias geracionais – baseadas num conto de Jorge de Lima – que acompanham a troca de comando de um misterioso e circo brasileiro. Apesar do elenco de peso e da ousadia dramática, a obra dividiu opiniões da crítica logo em sua primeira apresentação – mais precisamente no Festival de Gramado 2018. Fato é que, para a grande massa especialmente, vale a pena experimentar uma trama contrária ao convencional. Leia a nossa crítica.
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